Foto: Andreja Cencic/SOPA Images |
“Temos que diferenciar nosso esporte - o automobilismo - da música
rap. Não somos rappers, você sabe. Eles dizem palavrões quantas vezes por
minuto? Não fazemos parte disso. Eles são assim e nós não.”
Palavras do presidente da FIA, Mohammed Bem Sulayem, sobre o
excesso de palavrões dos pilotos nos rádios divulgados na transmissão de treinos
e corridas. Como manter a calma, tranquilidade e civilidade quando sua vida
pode estar em risco em curvas e defesas de posição à 300 km/h?
O presidente da FIA, que já foi piloto de rali, sabe disso,
mas sabe se lá porque resolveu adotar esse espírito puritano inocente. Como se
os pilotos de corrida, em milésimos de raciocínio numa reta, precisassem pensar
milimetricamente sobre a forma ideal de se comunicar diante de uma disputa de
posição ou problema no carro.
As crianças e o novo público que assiste a F1 vão começar a
falar F1 porque Hamilton ou Verstappen falaram um “fuck” uma vez na vida? Os
rádios não foram feitos para a transmissão, então podar o comportamento natural
dos pilotos é algo completamente fora da lógica. Não estamos falando da
coletiva pós-treino ou corrida ou algo que não seja tão de cabeça quente.
Ninguém pediu para que as conversas fossem divulgadas para o público.
É evidente que muitos pilotos reagiram a isso. Norris, por
exemplo. Além dele, o porta-voz da categoria fora da bolha, Lewis Hamilton com
o certeiro discurso de estigmatizar e estereotipar o rap, em pleno século XXI,
ano 2024, quase 2025. Voltamos para os anos 1990 e o gangsta rap? Precisamos da
MTV e do Eminem para educar nossas crianças? Eles não são como nós, escreveu
Kendrick.
Verstappen, um cara mais direto, disse um palavrão quando perguntado na coletiva, como exemplo de que somos humanos e nem sempre vamos falar as coisas mais floridas, principalmente durante uma competição e mais do que nunca no automobilismo, um esporte tão perigoso (e as pessoas parecem que esquecem disso).
O resultado? Multa de 50 mil euros e serviço comunitário. A
reação do holandês? Responder somente “sim” ou “não” na coletiva seguinte,
pós-treino classificatório. Depois, convidou os jornalistas para a verdadeira
entrevista, numa espécie de zona mista ou cercadinho. O futuro tetra (será?)
afirmou que esse também é um fator que pode fazer ele simplesmente largar a F1,
além do calendário cada vez mais apertado. Honestamente, não acredito nisso,
mas...
O mundo mágico da Liberty e da F1 é fantástico. Uma fala em
respeitar os direitos de todos, em pluralidade, um ambiente sem preconceitos,
mas teima em fazer acordos com ditaduras e encher o calendário de circuitos de
rua que está todo mundo saturado.
A FIA está mais preocupada com o palavrão do Zhou brigando
pelo 15° na volta 45 do que de criar mecanismos para a categoria não ser refém
das montadoras e ter mais equipes competitivas no grid, aceitando a Andretti e
evitando os casos constrangedores de campeões da F2 não terem vaga na
categoria, como já aconteceu com Piastri, Drugovich, Théo Pourchaire e
provavelmente Gabriel Bortoleto, o próximo premiado pelo clubinho cada vez mais
fechado e elitista da F1.
Mas claro, o mais importante é não falar palavrão para o
Josh, de 6 anos e que vive em Birmingham, repita o ídolo Lando Norris.
É mais importante salientar sobre os palavrões do que
investigar o absurdo que é a Red Bull ter quatro carros para competir contra a
McLaren e Norris, por exemplo. Sim, quatro, porque dessa vez ficou escancarado.
Na última corrida da carreira de Ricciardo, dispensado hoje, eis que
o australiano fez a volta mais rápida da corrida. Ok, mas e daí? Daí que isso
tirou um ponto de Norris, o que ajuda Max na briga pelo tetracampeonato.
Coincidência? Olha, quando alguém fala no rádio para Verstappen que “Ricciardo
fez a volta mais rápida e Norris perdeu um ponto”, no mesmo tom como se fosse
um Pérez da vida, aí vira concorrência desleal, baderna, várzea.
No passado, a ex-Alpha Tauri, agora Visa Cash App Red Bull
(tive que botar no Google, nem sabia que esse era o atual nome do negócio) já
colocou Tsunoda na pista com o carro arrebentado para provocar safety car. É
claro: isso não é um artifício exclusivo dos taurinos. Essa teoria da
conspiração existe há muito tempo.
Em 1997, por exemplo, Norberto Fontana, da Sauber, fechou de
propósito Villeneuve enquanto este caçava Schumacher na briga pelo título na
última corrida, em Jerez. Anos depois, o argentino disse que fez isso depropósito a mando de Jean Todt, da Ferrari. A Sauber sempre foi uma “Ferrari
B”, inclusive emprestando pilotos para a equipe, entre eles Felipe Massa. É
claro que a declaração foi negada pela Ferrari e pelo então dono Peter Sauber,
hoje futura Audi.
Nos últimos anos, também houveram suspeitas de equipes com motores Mercedes facilitarem para a equipe alemã nas disputas, principalmente nos últimos anos onde a rivalidade com a Ferrari e a Red Bull ficou mais quente.
Ou seja: é uma prática “comum”, embora ninguém admita e
fique mais como teoria da conspiração. Pode ter sido uma grande coincidência ou
um simples último ato de Ricciardo fazer a volta mais rápida na última volta da
última corrida na carreira, mas que isso pode ajudar a equipe cliente a
conquistar mais um título de pilotos, ah, isso pode.
Enfim, pode ser que esse texto esteja procurando muitos
pelos nos ovos. Desculpem, esqueci que a F1 agora só vai melhorar sem palavrões
nos rádios dos times. É pelas crianças, é pelo exemplo.
Eu vejo o que eles falam sobre a F1 na TV e não é sério...