terça-feira, 30 de janeiro de 2018

FÊNIX ANDARILHA

Foto: Racing Motor Sports
Voltemos dez anos no tempo. Recém saído da McLaren após a guerra travada com Lewis Hamilton e Ron Dennis, Fernando Alonso ainda era considerado o sucessor de Schumacher como o grande nome da categoria, apesar da chegada do jovem Lewis Hamilton ter empolgado a todos (Sebastian Vettel estrearia pela Toro Rosso).

Voltemos para hoje. Uma década depois, o número de títulos do espanhol manteve-se o mesmo. Lewis Hamilton e Sebastian Vettel são os caras, e Max Verstappen apontado como o próximo grande campeão. Vítima de seus próprios erros na carreira, restou ao espanhol sofrer com o motor da Honda em um improvável retorno à McLaren, andando no fim do grid. Ao menos isso serviu para deixar o espanhol mais bem humorado perante aos fãs e a imprensa, melhorando sua imagem.

Com o tri mundial cada vez mais improvável, resta a Alonso o desafio de ser o segundo piloto da história a vencer as três principais corridas do automobilismo: Le Mans, Mônaco (onde já venceu duas vezes) e Indianápolis. A primeira tentativa no oval americano não deu certo, mas não foi ruim. Agora, o desafio é outro: as corridas de longa duração.

Foto: Mundo Deportivo
O ensaio foi realizado no último fim de semana, nas 24 Horas de Daytona, vencida pela equipe do brasileiro Christian Fittipaldi. Com inúmeros problemas mecânicos, restou a Alonso, Lando Norris e Phil Hanson terminar em 38° lugar, 90 voltas atrás dos vencedores. Isso não desanimou o espanhol, que afirmou ter se divertido mais do que nas pistas de F1.

Pois bem, hoje a Toyota Fernando Alonso em sua equipe nessa temporada da WEC. O espanhol irá conciliar o Endurance com a F1, e só irá perder, a princípio, a etapa de Fuji, no Japão, que será realizada no mesmo dia que o Grande Prêmio dos Estados Unidos: 21 de outubro. A prioridade ainda é a F1. O acordo foi costurado graças ao bom relacionamento de Alonso com a equipe de Woking.

Foto: WEC
O espanhol havia feito testes pela equipe japonesa no fim do ano passado, no Bahrein. Ele será companheiro de Sebastièn Buemi e Kazuki Nakajima. O outro carro da Toyota terá Kami Kobayashi, Mike Conway e José Maria López como pilotos. Com a Audi e a Porsche fora da categoria, foi aberto o caminho para a Toyota finalmente vencer em Le Mans pela primeira vez, o que consequentemente também é interessante para Alonso conquistar o segundo objetivo de sua encruzilhada rumo à Tríplice Coroa.

As últimas vezes que campeões mundiais da F1 disputaram Le Mans foram Jacques Villeneuve (2007 e 2008) e Nigel Mansell (2010). Por capricho do destino, talvez se Alonso seguisse o caminho de Schumi, jamais estaria experimentando esses passos por outras categorias. A presença de um nome tão importante, talentoso e carismático em outras corridas é fundamental para mostrar que há muita vida além da F1, onde muitos que primeiramente são irão acompanhar as provas por Alonso podem se tornar fãs da categoria.

Já contando com Daytona, Alonso estará correndo em algum lugar do mundo em metade dos finais de semana do ano. Haja disposição para a Fênix andarilha. Se suas pretensões darão resultado não sabemos, mas que o mundo da velocidade estará seguindo seus passos e acompanhando atentamente sua missão.

sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

O PIONEIRO

Foto: Autoweek
Previamente, escrevi nos primeiros parágrafos desse texto que iria começar o ano escrevendo sobre a decadência da Williams, mas o anúncio havia demorado tanto que seria "forçado" a começar com esse. No entanto, os britânicos trataram de confirmar Sirotkin no dia seguinte, me fazendo perder alguns minutos escrevendo sobre linhas que a partir de então seriam inúteis.

Feito esse registro e sem inspiração para começar o texto de outra forma, vamos ao que interessa.

Daniel Sexton Gurney. Ou simplesmente Dan Gurney. Nascido em Port Jefferson (Ohio) em 13 de abril de 1931, ele faleceu no último domingo (14) aos 86 anos, vítima de complicações relacionadas a pneumonia. Qual a importância dele para o automobilismo? Tentarei explicar.

Antes da velocidade, Gurney serviu por dois anos no exército americano, atuando como mecânico de artilharia  durante a Guerra das Coreias (1950-1953). Sua estreia no automobilismo ocorreu em 1957 quando terminou em segundo a corrida inaugural de Riverside, superando estrelas consolidadas da época como Masten Gregory e Phil Hill (campeão da F1 quatro anos depois, em 1961). 

A primeira corrida. Foto: Pinterest
Gurney chamou a atenção de Luigi Chinetti, importador americano da Ferrari, que deu um assento para o americano em Le Mans no ano seguinte. Em parceria com o compatriota Bruce Kessler, a Ferrari estava na quinta posição na classificação geral até Dan entregar a direção para Bruce, que sofreu um acidente. Essa e outras performances impressionantes lhe renderam um teste para ser piloto da Ferrari na F1, onde fez sua temporada de estreia em 1959.

Nas quatro corridas que disputou naquela temporada, acabou conseguindo dois pódios. Em 1960, seis abandonos em sete corridas a bordo de um BRM. No Grande Prêmio da Holanda, seu acidente mais grave: uma falha no sistema de freio lhe custou um braço quebrado,  a morte de um torcedor e o início de uma longa relação de desconfiança com os engenheiros. O incidente também causou uma mudança no seu modo de pilotar: a tendência em utilizar os freios com maior prudência do que os outros pilotos significava que eles duravam mais tempo, o que lhe ajudava em corridas de longa duração. 

Gurney guiando a Testa Rossa em Goodwood, em 1959. Foto: Classic Cars

Acidente na Holanda, em 1960. Foto: F1 History
Gurney também era conhecido por um estilo de condução fluido. Em raras ocasiões, quando o carro enfrentava problemas mecânicos e sentiu que não havia nada a perder, Dan passava a adotar um estilo mais arrojado e arriscado. Para muitos especialistas da época,  eram nessas circunstâncias que o americano apresentava o seu melhor desempenho nas pistas. Um exemplo disso foi quando um pneu furado fez Gurney ficar duas voltas atrás do pelotão na etapa de Riverside na Indy em 1967. Ele tirou a vantagem e venceu com uma ultrapassagem na última volta contra Bobby Unser.

Foto: Pinterest

Com novas regras entrando em vigor para a temporada de 1961, Gurney e Jo Bonnier foram companheiros de equipe na primeira temporada da Porsche na F1, chegando três vezes na segunda posição. Dan quase venceu a corrida de Reims, mas sua relutância em bloquear Giancarlo Baghetti (piloto da Ferrari) permitiu que o italiano o ultrapassasse poucos metros antes da linha de chegada.

No ano seguinte, com uma Porsche melhorada (motor de 8 cilindros), Gurney venceu pela primeira vez na F1, no Grande Prêmio da França, disputado em Rouen-Les-Essarts, a única vitória da montadora na história da categoria. Uma semana depois, ele venceu novamente em uma corrida fora de temporada na casa dos alemães, em Stuttgart. Foi a última temporada da Porsche na categoria. Foi na equipe alemã que Dan conheceu Evi Butz, executiva de relações públicas da montadora. Eles se casaram anos depois.

O único a vencer pela Porsche na F1. Foto: Getty Images

Dan também foi o primeiro piloto contratado por Jack Brabham para correr com ele pela Brabham Racing Organisation. Enquanto Jack foi o responsável pela primeira vitória de seu carro em uma corrida que não valia para o campeonato, coube a Gurney a honra de ser o primeiro a vencer pela Brabham em uma etapa válida para o Mundial em 1964, outra vez em Rouen. Ao todo, Gurvey venceu duas vezes (as duas em 1964) e conquistou 10 pódios (sendo cinco consecutivos em 1965) pela Brabham antes de deixar a escuderia e começar a sua própria equipe. Com a vitória no Grande Prêmio da Bélgica de 1967, Gurney foi o primeiro piloto da história a vencer por três equipes diferentes: Porsche, Brabham e a All-American Racers, de sua propriedade.

Vitória de novo em Rouen, em 1964. Foto: Flat Out


A popularidade de Gurney fez com que a revista americana Car and Driver promovesse a ideia dele concorrer à presidência dos EUA em 1964. A “campanha” foi abortada quando se “descobriu” que Gurney era jovem demais para se candidatar a presidente (tinha 33 anos na época). Entretanto, amigos e fãs ressuscitavam essa ideia a cada quatro anos como brincadeira.

Foto: All American Racers

Adesivo da "campanha". Foto: All American Racers

Dan desenvolveu uma moto chamada “Alligator”, que tinha o assento em uma posição extremamente baixa. Enquanto ele não conseguiu o objetivo de obter o design  licenciado para a fabricação e venda por um fabricante importante de motos, a produção inicial de 36 unidades rapidamente esgotou. Hoje, são itens premiados de colecionadores.

Foto: OddBike
O pioneirismo de Dan Gurney consiste em ser o primeiro piloto da história a vencer na F1 (4 vezes), na Nascar (1963) e na Fórmula Indy (1967). Além disso, Gurney venceu as 24 Horas de Le Mans junto com A.J. Foyt. Não bastasse mais uma vitória em corridas de longa duração (havia vencido as 12 Horas de Sebring em 1959), um gesto do americano entrou para a história.

O segundo a vencer com seu próprio carro. Bélgica, 1967



A vitória em Le Mans, com a parceria de A.J. Foyt. Foto: Pinterest

Tal qual Bellini, capitão do primeiro título mundial da Seleção Brasileira em 1958 que foi o primeiro a erguer a taça como comemoração, Dan Gurney foi o primeiro piloto a estourar o champanhe no pódio. Um gesto simples e banal que, todos sabemos, virou costume do automobilismo.  Além disso, durante sua passagem pela Indy,  Dan foi o primeiro a colocar uma simples extensão de ângulo reto sobre a borda direita superior da asa traseira. O dispositivo, nomeado Gurney flap, aumenta a pressão aerodinâmica e, se bem projetado, impõe apenas um aumento na aerodinâmica.



Um gesto para a história. Foto: Marshall Pruett


Finalizando a série de pioneirismo, Dan foi o primeiro piloto a utilizar um capacete cobrindo toda a face nas corridas de Grande Prêmio, na etapa da Alemanha do mundial de F1 de 1968.

Foto: F1 History

Excetuando as 500 Milhas de Indianápolis disputadas entre 1950 e 1960 e que faziam parte do calendário da F1, Gurney é o segundo americano com mais vitórias na categoria, perdendo apenas para o campeão mundial de 1978 Mario Andretti. No entanto, Dan é o americano com mais pódios (19).

Foto: Motor.es

Pequenos gestos e conquistas que eternizaram Dan Gurvey na história do automobilismo mundial. Um verdadeiro racer, cujo legado é enorme. Sua história e paixão pela velocidade inspiram milhares de jovens pilotos, que nunca se esquecerão de Gurney, mesmo sem saber quem ele é. Basta estourar a champanhe no pódio.

terça-feira, 16 de janeiro de 2018

O QUE SOBROU DA WILLIAMS - Parte 2

Foto: Reprodução
                                                                             PARTE 1

Decidi que o primeiro post do blog no ano seria o anúncio da última vaga disponível na F1 para a temporada. Em dezembro, estava convicto que esse cara seria Kubica. Entretanto, o silêncio da Williams e a ausência de notícias relacionadas fizeram todo mundo assegurar que essa não era a tendência.

E cá estamos nós, aguardando ansiosamente o anúncio oficial de Sergey Sirotkin como companheiro de equipe de Lance Stroll para a Williams em 2018. Um gesto simbólico. Quer dizer, um não, foram cometidos vários gestos pela equipe de Grove nos últimos 15 anos que culminaram em seu retumbante apequenamento moral e técnico.

Conforme apurou o GRANDE PRÊMIO, Robert Kubica era o substituto de Massa. Junto com o polonês, entrariam 6 milhões de euros (R$ 23 milhões) na conta dos ingleses. Entretanto, apesar do contrato assinado, os russos ofereceram € 14 milhões. Diante da incerteza, Kubica e Sirotkin participaram dos testes de Abu Dhabi como um vestibular para quem ficaria com a vaga.

O polonês foi o mais rápido nos long runs, enquanto Sirotkin impressionou na velocidade pura. Isso, aliado ao dinheiro que receberia, obviamente pesou para a escolha da equipe de Grove. Outra vez, Kubica ficou pelo caminho. Como prêmio de consolação, foi contratado como "piloto reserva e de desenvolvimento", o que na prática é nada além do que fazer testes no simulador. Quem pagaria 6 milhões de euros para ficar circulando na fábrica de Grove? Creio que se Sirotkin não mostrar resultados, não é improvável que o polonês dê o ar da graça em algumas corridas de 2018.

O que restou foi a vaga de piloto reserva. Foto: Getty Images
Sergey Sirotkin estava fadado a ser mais uma eterna promessa da F1. Há alguns anos atrás, chegou a ser quase anunciado como piloto da Sauber quando mal tinha completado 18 anos. Sempre com robusto aporte financeiro por trás, foi piloto reserva da equipe suíça e estava na Renault, onde chegou a participar de alguns treinos livres. Em 2017, correu as 24 Horas de Le Mans pela SMP e fez duas corridas na F2. Seu último título foi na F-Abarth Euro, em 2011.

O russo é um piloto que pode mostrar bons resultados, apesar de tudo. Mesmo inexperiente na categoria no sentido de disputar todos os treinos e as corridas, está razoavelmente ambientado a um carro de F1 há mais tempo que Stroll, além de ser melhor que o canadense. Entretanto, sabemos que elementos externos (leia-se a influência de Lawrence) podem (e devem) mostrar o contrário. Em uma equipe estruturada e com um piloto talentoso e experiente no comando, o russo teria melhores condições de se mostrar para todos.

Um novo russo na F1. Foto: Sky Sports
A Williams que todos conhecemos acabou em 2005, com o fim da parceria com a BMW. De lá para cá, vimos um declínio acentuado da tradicional escuderia britânica. Motores Toyota, Cosworth, até o que eu achava que seria o fundo do poço: a prostituição para os petrodólares de Pastor Maldonado, que inacreditavelmente é o responsável pela última vitória da Williams, há quase seis anos.

Apesar da rápida recuperação em 2014 e 2015, com Bottas, Felipe Massa e um novo corpo técnico, a Williams teve nova queda. Nada tão grave quanto o que aconteceu no passado. Pelo contrário. As contratações de Paddy Lowe e Dirk de Beer para desenvolverem o carro dessa temporada davam a impressão de que uma nova reestruturação estava por vir, apesar de Stroll. Com o seu dinheiro, era para se apostar em algum piloto de ponta experiente, em tese. Com a ausência deste, Pascal Wehrlein seria o cara ideal. Jovem, promissor, com duas boas temporadas nos piores carros do grid (Manor e Sauber) e um fato que facilitaria as coisas: ser da academia da Mercedes, que fornece os motores para os britânicos.

Entretanto, é aí que entra a prostituição para a família Stroll. Ingênuo demais o raciocínio do parágrafo anterior. Para quê contratar um piloto melhor que o seu filho? Melhor contratar uma jovem incógnita para tentar se recuperar da derrota para um piloto que saiu da aposentadoria pelas circunstâncias que todos sabemos. O FW41, que tem tudo para ser um carro superior ao seu antecessor, está nas mãos de dois novatos que certamente não irão render o máximo desse bólido. Terei a impressão de que qualquer coisa que ambos fizerem poderia ter sido melhor se houvesse um piloto minimamente bom e competitivo ao volante.

Foto: Motorsport

A pior dupla da história riquíssima da Williams, entregue ao dinheiro como uma Jordan em seus últimos dias ou a Minardi. A diferença é que as duas últimas eram equipes simpáticas, ao contrário do que o pessoal de Grove se tornou. Ah, e aquela cláusula da Martini era uma mentira pelo jeito, pois ambos os pilotos têm menos de 25 anos. Quem irá fazer as propagandas da bebida alcoólica? Kubica?

Talvez esportivamente o ano não seja tão ruim para a Williams. Vai que algum pódio milagroso caia do céu outra vez igual em Baku no ano passado... No entanto, essa é uma decisão significativa para a história da equipe, que reconhece o seu papel de equipe pequena, pagante e que deixou seu legado em um passado que está começando a ficar distante.

Ah, um lembrete: até o fim da semana será publicado um especial sobre Dan Gurney, ícone do automobilismo que faleceu no último domingo (14).

Até!