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A F1 ultimamente não tem dado boas notícias. Não apenas a
dinastia de Verstappen, pois sempre estamos acostumados com isso, mas porque
simplesmente não há renovação do grid, mais equipes, mais pilotos talentosos ou
circuitos de verdade.
A obsessão por corridas de rua e a “americanização” da
categoria tornou tudo um espetáculo, banalizando a importância dos eventos.
Autódromos lotados, mas quase tudo superficial, incluindo a série da Netflix
que trouxe para a F1 um público que talvez não entenda o que é o automobilismo,
apenas esse simulacro do pós-pandemia em diante.
Estes são problemas que repetidamente escrevi ao longo dos
anos em que mantinha o blog diário. É inútil repetir, mas hoje vou abordar uma
notícia já antiga e que a grande maioria não concordou, mas faço questão de
nadar contra a maré, como quase sempre.
O processo da F1 ficou cada vez mais simplificado. Um clubinho
de 10 equipes, onde por exemplo temos a Red Bull com duas, enquanto Ferrari e
Mercedes possuem tentáculos nas outras em virtude do fornecimento de motor e
outras coisas. No meio disso tudo, Renault e Honda. Para 2026, Audi e Ford,
fornecedoras.
10 equipes é muito pouco. Apenas 20 vagas. É possível renovar
o grid sem testes ilimitados e paciência com os jovens que certamente sentem
uma grande diferença entre um carro da categoria de base e um F1? Óbvio que
não, tanto que pela primeira vez na história tivemos um grid idêntico.
Quais as formas de chegar na categoria? Obviamente, tendo
muito dinheiro, isso desde que o mundo é mundo. Temos simples exemplos de
Stroll, Zhou e Pérez, que são bancados e trazem patrocinadores.
A forma menos cara, por assim escrever, são as famigeradas
academias de pilotos. Lá atrás, com a Mercedes e a Red Bull nos anos 1990,
muitos pilotos se aproveitavam disso, na época em que tínhamos fartura de 22,
24 ou 26 carros.
Mais recentemente, o próximo começou por Hamilton (McLaren)
e a Red Bull se popularizou, com sucessos e fracassos. Você sabe: Vettel,
Ricciardo, Verstappen, Gasly, Albon, entre outros que se perderam no caminho.
Mais recentemente, Ferrari e McLaren também entraram nesse universo.
Se for parar para pensar, Massa era da academia dos italianos. Depois de
Hamilton, a McLaren apostou em Vandoorne e só agora em Norris. A Williams
inventou Sargeant. A Renault tinha Ocon e perdeu Piastri.
Alguns possuem bons empresários, que facilitaram o processo lá
no início. Alonso era da Renault e de Flavio Briatore. Bottas era de Toto
Wolff, que ainda tinha a Williams. Russell e Wehrlein vieram da Mercedes, assim
como Ocon, metade-metade com a Renault.
Anos atrás, escrevi que Grosjean era um dos últimos que se
mantinham sem esse grande apoio ou de patrocínios, embora o início tenha sido
empurrado pela Renault. Sobra justamente um nome: Nico Hulkenber, o Roberto Pupo
Moreno da nossa geração.
A história de Hulk já foi escrita por aqui: campeão da GP2,
chegou na Williams, fez pole em Interlagos, perdeu a vaga, foi pra Force India,
aí teve o ápice na Sauber, voltou pra Force India e não deu certo na Renault.
Com a pandemia, virou o 21° piloto de quase todo mundo até voltar definitivamente
para a Haas. Tudo isso na base da experiência e do talento, claro.
Hulk sofreu por não conseguir ter o equipamento certo na
hora certa. As piadas de nunca ter pódio atestam isso. Azar e erros na hora decisiva
também, mas é um acertador de carros. Nas CNTP, faz o que é pedido, desde
sempre.
Sim, no início do texto, reclamei da falta de renovação do grid.
Apesar disso, não é um contrassenso comemorar que Nico vai para a Audi, a
antiga Sauber, o que seria um retorno.
Sim, precisamos de novos talentos no grid. Alguns perdem o
timing e não chegam nunca. A maioria precisa estar numa academia de pilotos, o
que permite os melhores carros na base e consequentemente chances de destaque,
títulos, mídia, cartaz. Kimi Antonelli, se não errar muito, já está com um pé e
meio na categoria justamente por ser um prodígio acelerado da Mercedes.
Nesse universo de poucas vagas, muita grana e academia de
pilotos, Hulkenberg se encaixa na experiência. Como escrevi também: poucos
testes não permitem grandes riscos, a menos que se trate de um caminhão de dinheiro
ou exista um novo Raikkonen ou Verstappen já aptos antes dos 18 (ok, o tal do
Antonelli pode estar nessa lógica também, mas é apadrinhado).
Por isso que Hulkenberg continuar no grid é uma vitória para
o automobilismo do jeito que eu cresci e conheci. Em um universo já tomado
pelos mesmos caminhos e procedimentos, é um sopro de alegria e pertencimento
ver um cara experiente, que perdeu o valor de mercado e é chacota ainda resistir
no crème de la crème do automobilismo.
Não me engano: sei que isso é somente um suspiro em meio a
um processo já irreversível do automobilismo como conheci, como ele é hoje e
como a nova geração enxerga tudo isso. Num mundo de Liberty Media, Drive To
Survive, corridas de rua, áreas de escape asfaltadas e proibição de correr no
molhado, a permanência de um journeyman em meio a um período nebuloso e sem
emoção da F1 precisa ser comemorado, mais do que realmente deveria. Aproveitemos
então, enquanto o meteoro não chega em nós, dinossauros.
Até!