sexta-feira, 4 de março de 2022

POR QUEM OS SINOS DOBRAM

 

Foto: Motorsport Images

Um movimento de Vladimir Putin, entre milhares de consequências importantes para a humanidade e que todos vocês já sabem, também pode ter contribuído para a falência de uma equipe de Fórmula 1 em breve.

A consequência da invasão a Ucrânia não poderia deixar de ser política, até em agremiações que normalmente repudiam isso ou fazem vista grossa. Estou falando da FIFA e da FIA, é claro. Com toda a comunidade internacional isolando a Rússia por um motivo e ignorando outras nações que fizeram o mesmo ao longo da história (e continuam fazendo), isso só prova que alguns países têm licença para matar, de fato.

Fugi um pouco do assunto, mas nem tanto. A F1, assim como o futebol, excluiu a Rússia permanentemente do calendário da categoria. Ano que vem entraria o circuito de São Petersburgo no lugar de Sochi, não mais. A pressão nos oligarcas russos fizeram Roman Abramovich anunciar a venda do Chelsea e o pai de Mazepin deixar de patrocinar a Haas e uma equipe da F2. A Uralkali e a bandeira da Rússia foram retirados do carro da equipe americana.

Sim, a equipe de Gene Haas desde o ano passado é (ou foi) sustentada pelo dinheiro russo. Ou era isso ou a equipe acabava. E aqui entra o ponto principal do texto: como a Haas vai sobreviver no curto prazo? Pode parecer irrelevante para os elitistas esportivos da categoria, mas uma falência iminente caso não aconteça a venda do time seria péssimo para a imagem da F1.

A categoria é elitista e caríssima e foi fechado um clubinho. Dificilmente haverá uma décima primeira equipe. Se a Haas não conseguir um novo dono ou algum dinheiro e sair, teremos 18 carros e nove equipes, o que seria inédito para o esporte. Dentro da política, acomodar os interesses de Red Bull (que possui duas equipes), Ferrari e Mercedes será cada vez mais difícil.

Mas a Liberty se importa? A prioridade pra eles é conseguir correr mais cinqüenta vezes por ano nos Estados Unidos e forçar enredo na série forçada da Netflix. Ao mesmo tempo que uma punição severa foi feita, a mesma FIA/Liberty assinou um acordo de múltiplos anos com Catar e Arábia Saudita. Mas o importante é pintar o Safety Car com as cores do arco-íris e gerar engajamento na semana da corrida, certo?

A Inglaterra também já vetou qualquer russo de disputar corridas por lá. Sem o dinheiro russo, Mazepin perde influência e, sem influência, provavelmente vai perder a vaga na equipe, prevendo que outras sanções feitas por outros países podem interferir na ida e vinda dos cidadãos russos.

Não é o ponto do texto, mas é claro que as chances de Pietro Fittipaldi aumentaram. Muitos dizem que ele é o ficha um por já ter experiência de corrida e de testes com a equipe há anos, além dos pontos na superlicença graças ao título da World Series em 2017, num grid enxuto e fraco. Evidente que seria legal um brasileiro de volta como titular no grid e seria uma redenção, pois em 2013 o Luiz Razia perdeu a a vaga na Marussia porque um patrocinador deu pra trás. O brasileiro foi substituído por um certo Jules Bianchi.

No entanto, é claro que a presença de Pietro seria muito mais pelo sobrenome e por algum aporte financeiro que poderia ter. O irmão Enzo vai ser abastecido para disputar a F2 e certamente Pietro também estaria na jogada. Seria o melhor dos dois mundos: dinheiro e sobrenome, formando dupla com um Schumacher. A imprensa europeia também especula um nome mais experiente e vinculado a Ferrari, que ainda tem parceria com a Haas: Antonio Giovinazzi, que já assinou com a Fórmula E mas certamente voltaria correndo pra F1, mesmo na pior equipe do grid.

Giovinazzi é um nome mais seguro e tem credenciais superiores a de Pietro, embora não tenha confirmado na F1. Eu escolheria o italiano, ou tentaria colocar ali Oscar Piastri, mas sendo um piloto Alpine/Renault seria difícil.

É raro, mas dessa vez o dinheiro e a força de composição política saíram derrotados no esporte.

Assim escreveu John Donne em 1624, na Devoção XVII do livro “Devotions upon emergent occasions” (Devoções Numa Ocasião de Emergência, em tradução livre), obra que escreveu enquanto esteve doente na cama por dias sem saber se iria sobreviver, em 23 “devoções” sobre a doença, a cura e outras questões humanas:

“Nenhum homem é uma ilha, todo em si; todo homem é uma parte do continente, uma parte da terra; se um torrão de terra é levado pelo mar, a Europa é diminuída, tanto se fosse um promontório, como também se fosse uma casa de teus amigos ou a tua própria; a morte de todo homem me diminui, porque sou parte na humanidade; e então nunca pergunte por quem os sinos dobram; eles dobram por ti.”

No quarto de Donne, ele ouvia os sinos tocando. Isso significava que alguém tinha morrido. Os vizinhos se perguntavam: “por quem os sinos dobram?”, como quem pergunta “quem morreu?”

Essa expressão virou o título da obra de Ernest Hemingway, que relata a história de um americano professor de espanhol que se tornou conhecedor do uso de explosivos e tem a missão de explodir uma ponte em virtude de um ataque simultâneo a cidade de Segóvia. A referência é a própria experiência de Hemingway na Guerra Civil Espanhola (1936-1939).

Os sinos continuam dobrando todos os dias, seja em guerras, chacinas, pobreza, fome, ganância, etc. No entanto, nesse caso específico e político, é claro, o sino dobrou para o dinheiro e a política (ou uma parte dela) no automobilismo.

Até!


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Olá, esse é o espaço em que você pode comentar, sugerir e criticar, desde que seja construtivo. O espaço é aberto, mas mensagens ofensivas para outros comentaristas ou para o autor não serão toleradas.