terça-feira, 11 de setembro de 2018

LECLERC, RAIKKONEN E O MONOMITO

Foto: This Is F1
O que era tendência foi anunciado oficialmente hoje. A Ferrari contrariou sua lógica conservadora de não apostar em jovens talentos e acabou efetivando Charles Leclerc como companheiro de Vettel para a próxima temporada. Ela não fazia isso desde 2006, quando Felipe Massa substituiu Rubens Barrichello. A diferença é que Massa guiou na Sauber por três anos e ficou mais um como piloto de testes. Leclerc fica apenas essa temporada, impulsionada pelos grandes resultados pela Sauber em treinos e corridas.

Nos últimos anos, Vettel era quem bancava o amigão Kimi nas renovações. Entretanto, dessa vez a cúpula da Ferrari (capitaneada pelo falecido Sérgio Marchionne) pareceu dar um recado para o atrapalhado alemão: chega de erros e barbeiragens. Claro que Leclerc não vai correr ainda em igualdade de condições, mas será um indicativo para ver se um sangue-novo é capaz de ameaçá-lo com maior frequência ou irá sentir a pressão de estar na maior equipe da F1.

Leclerc vai ser o mais jovem piloto da Ferrari desde Pedro Rodríguez, em 1961. Na época, o mexicano tinha 19 anos e 211 dias. Na Austrália, na estreia, Charles vai ter 21 anos e 5 meses. É um feito e tanto, mas tudo isso foi fruto de muito talento e competência. O monegasco não esqueceu de Jules Bianchi, espécie de "mentor" do início da carreira e que poderia estar agora no seu lugar. Agora ele está, de certa forma. Ainda assim, acho a escolha precipitada. Meu medo é que os italianos queimem o jovem, que dificilmente pode fazer frente a Vettel, ao menos no início de sua caminhada. Um ano na Haas para evoluir e amadurecer ainda mais seria o ideal, mas pelo visto o grande objetivo era se livrar de Kimi Raikkonen.

Um jovem na Ferrari, dois na Red Bull e a Mercedes com Bottas... Leclerc pode ser finalmente a menina dos olhos da F1, se mantiver a maturidade e a regularidade em um carro que lhe dará condições de vencer. Resta saber como Verstappen vai reagir nesse contexto, se vai evoluir ou vai ver um cara menos experiente que ele em um carro de ponta com atuações melhores. Vai ser interessante.

Foto: ESPN
18 anos. A maioridade. Muita coisa mudou de lá pra cá na vida de Kimi Raikkonen e Sauber. Peter não está mais lá (Relembre a série que publiquei AQUI, em especial a passagem relâmpago do finlandês), nem a cor e tampouco a Red Bull. Parece um prêmio de consolação para o Iceman, rebaixado da Ferrari. Todo mundo imaginaria que iria se aposentar, mas o retorno para a Sauber (e por duas temporadas) é algo exótico e aleatório. Lembra bastante Alan Jones na Lola Haas.

Um prêmio caro, diga-se. As informações apontam que a Ferrari vai continuar pagando Kimi para correr na Alfa Romeo Sauber e fortalecer a marca. Aquele que no auge parecia nem estar aí para a F1 (tanto é que ficou dois anos fora) vai ser o último dos moicanos, no fim das contas. O remanescente da geração 2001, o meu primeiro contato com a F1. Meu medo é que Kimi se aposentasse, mas isso vai ser só em 2020 (!). Meu saudosismo agradece.

Resta saber como Raikkonen vai render em um carro médio, no meio do grid e com poucas chances de vitórias e pódios, apesar da gritante evolução nessa temporada. Será que o finlandês vai se sobressair ou os efeitos da idade avançada e um possível relaxamento irão falar mais alto?. Até escreveria desmotivação, mas assinar dois anos com a equipe "onde tudo começou" não parece ser o termo mais adequado. Também vai ser interessante como Raikkonen vai se portar em suas últimas corridas pela segunda passagem na Ferrari. Vai ajudar ou não Vettel, que chegou a declarar "estar correndo contra três carros"?

Incomum na história do automobilismo começar, sair e terminar onde começou. Raikkonen repete o que é comum no futebol: começar em um clube médio/pequeno, conquistar o mundo e depois encerrar a carreira no clube do início.

As trajetórias de Leclerc e Raikkonen, embora em direções contrárias, remetem a mesma coisa: o monomito. O conceito vem de 1948, quando depois de estudar as mitologias, o escritor Joseph Campbell publicou o livro "O Herói de Mil Faces" (Hero Of Thousand Faces; Pensamento, 2018). Ao analisar mitos de várias partes do mundo, Campbell concluiu que todos pareciam ter elementos de uma mesma fórmula universal, denominada de "monomito".

Funciona mais ou menos assim: a jornada do herói é dividida em três fases - separação, iniciação e retorno. O herói deixa o solo familiar, enfrenta uma série de obstáculos/aventuras e, mais maduro, volta pra casa. Segundo Wendell de Oliveira Albino, "é uma estrutura muito utilizada por cineastas, escritores de literatura e de histórias em quadrinhos de super-heróis", tendo como grande exemplo do cinema o filme Star Wars.

Raikkonen saiu do lar, enfrentou grandes desafios e obstáculos, atingiu o ápice e grandes dificuldades e finalmente volta pra casa para cumprir a parte final de sua jornada. Leclerc saiu do lar, enfrentou algumas aventuras e obstáculos e agora chega, com maturidade, para o ápice da carreira. Como será essa jornada e o seu retorno? Só poderemos descobrir nos próximos anos.

Até!

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