sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

O PIONEIRO

Foto: Autoweek
Previamente, escrevi nos primeiros parágrafos desse texto que iria começar o ano escrevendo sobre a decadência da Williams, mas o anúncio havia demorado tanto que seria "forçado" a começar com esse. No entanto, os britânicos trataram de confirmar Sirotkin no dia seguinte, me fazendo perder alguns minutos escrevendo sobre linhas que a partir de então seriam inúteis.

Feito esse registro e sem inspiração para começar o texto de outra forma, vamos ao que interessa.

Daniel Sexton Gurney. Ou simplesmente Dan Gurney. Nascido em Port Jefferson (Ohio) em 13 de abril de 1931, ele faleceu no último domingo (14) aos 86 anos, vítima de complicações relacionadas a pneumonia. Qual a importância dele para o automobilismo? Tentarei explicar.

Antes da velocidade, Gurney serviu por dois anos no exército americano, atuando como mecânico de artilharia  durante a Guerra das Coreias (1950-1953). Sua estreia no automobilismo ocorreu em 1957 quando terminou em segundo a corrida inaugural de Riverside, superando estrelas consolidadas da época como Masten Gregory e Phil Hill (campeão da F1 quatro anos depois, em 1961). 

A primeira corrida. Foto: Pinterest
Gurney chamou a atenção de Luigi Chinetti, importador americano da Ferrari, que deu um assento para o americano em Le Mans no ano seguinte. Em parceria com o compatriota Bruce Kessler, a Ferrari estava na quinta posição na classificação geral até Dan entregar a direção para Bruce, que sofreu um acidente. Essa e outras performances impressionantes lhe renderam um teste para ser piloto da Ferrari na F1, onde fez sua temporada de estreia em 1959.

Nas quatro corridas que disputou naquela temporada, acabou conseguindo dois pódios. Em 1960, seis abandonos em sete corridas a bordo de um BRM. No Grande Prêmio da Holanda, seu acidente mais grave: uma falha no sistema de freio lhe custou um braço quebrado,  a morte de um torcedor e o início de uma longa relação de desconfiança com os engenheiros. O incidente também causou uma mudança no seu modo de pilotar: a tendência em utilizar os freios com maior prudência do que os outros pilotos significava que eles duravam mais tempo, o que lhe ajudava em corridas de longa duração. 

Gurney guiando a Testa Rossa em Goodwood, em 1959. Foto: Classic Cars

Acidente na Holanda, em 1960. Foto: F1 History
Gurney também era conhecido por um estilo de condução fluido. Em raras ocasiões, quando o carro enfrentava problemas mecânicos e sentiu que não havia nada a perder, Dan passava a adotar um estilo mais arrojado e arriscado. Para muitos especialistas da época,  eram nessas circunstâncias que o americano apresentava o seu melhor desempenho nas pistas. Um exemplo disso foi quando um pneu furado fez Gurney ficar duas voltas atrás do pelotão na etapa de Riverside na Indy em 1967. Ele tirou a vantagem e venceu com uma ultrapassagem na última volta contra Bobby Unser.

Foto: Pinterest

Com novas regras entrando em vigor para a temporada de 1961, Gurney e Jo Bonnier foram companheiros de equipe na primeira temporada da Porsche na F1, chegando três vezes na segunda posição. Dan quase venceu a corrida de Reims, mas sua relutância em bloquear Giancarlo Baghetti (piloto da Ferrari) permitiu que o italiano o ultrapassasse poucos metros antes da linha de chegada.

No ano seguinte, com uma Porsche melhorada (motor de 8 cilindros), Gurney venceu pela primeira vez na F1, no Grande Prêmio da França, disputado em Rouen-Les-Essarts, a única vitória da montadora na história da categoria. Uma semana depois, ele venceu novamente em uma corrida fora de temporada na casa dos alemães, em Stuttgart. Foi a última temporada da Porsche na categoria. Foi na equipe alemã que Dan conheceu Evi Butz, executiva de relações públicas da montadora. Eles se casaram anos depois.

O único a vencer pela Porsche na F1. Foto: Getty Images

Dan também foi o primeiro piloto contratado por Jack Brabham para correr com ele pela Brabham Racing Organisation. Enquanto Jack foi o responsável pela primeira vitória de seu carro em uma corrida que não valia para o campeonato, coube a Gurney a honra de ser o primeiro a vencer pela Brabham em uma etapa válida para o Mundial em 1964, outra vez em Rouen. Ao todo, Gurvey venceu duas vezes (as duas em 1964) e conquistou 10 pódios (sendo cinco consecutivos em 1965) pela Brabham antes de deixar a escuderia e começar a sua própria equipe. Com a vitória no Grande Prêmio da Bélgica de 1967, Gurney foi o primeiro piloto da história a vencer por três equipes diferentes: Porsche, Brabham e a All-American Racers, de sua propriedade.

Vitória de novo em Rouen, em 1964. Foto: Flat Out


A popularidade de Gurney fez com que a revista americana Car and Driver promovesse a ideia dele concorrer à presidência dos EUA em 1964. A “campanha” foi abortada quando se “descobriu” que Gurney era jovem demais para se candidatar a presidente (tinha 33 anos na época). Entretanto, amigos e fãs ressuscitavam essa ideia a cada quatro anos como brincadeira.

Foto: All American Racers

Adesivo da "campanha". Foto: All American Racers

Dan desenvolveu uma moto chamada “Alligator”, que tinha o assento em uma posição extremamente baixa. Enquanto ele não conseguiu o objetivo de obter o design  licenciado para a fabricação e venda por um fabricante importante de motos, a produção inicial de 36 unidades rapidamente esgotou. Hoje, são itens premiados de colecionadores.

Foto: OddBike
O pioneirismo de Dan Gurney consiste em ser o primeiro piloto da história a vencer na F1 (4 vezes), na Nascar (1963) e na Fórmula Indy (1967). Além disso, Gurney venceu as 24 Horas de Le Mans junto com A.J. Foyt. Não bastasse mais uma vitória em corridas de longa duração (havia vencido as 12 Horas de Sebring em 1959), um gesto do americano entrou para a história.

O segundo a vencer com seu próprio carro. Bélgica, 1967



A vitória em Le Mans, com a parceria de A.J. Foyt. Foto: Pinterest

Tal qual Bellini, capitão do primeiro título mundial da Seleção Brasileira em 1958 que foi o primeiro a erguer a taça como comemoração, Dan Gurney foi o primeiro piloto a estourar o champanhe no pódio. Um gesto simples e banal que, todos sabemos, virou costume do automobilismo.  Além disso, durante sua passagem pela Indy,  Dan foi o primeiro a colocar uma simples extensão de ângulo reto sobre a borda direita superior da asa traseira. O dispositivo, nomeado Gurney flap, aumenta a pressão aerodinâmica e, se bem projetado, impõe apenas um aumento na aerodinâmica.



Um gesto para a história. Foto: Marshall Pruett


Finalizando a série de pioneirismo, Dan foi o primeiro piloto a utilizar um capacete cobrindo toda a face nas corridas de Grande Prêmio, na etapa da Alemanha do mundial de F1 de 1968.

Foto: F1 History

Excetuando as 500 Milhas de Indianápolis disputadas entre 1950 e 1960 e que faziam parte do calendário da F1, Gurney é o segundo americano com mais vitórias na categoria, perdendo apenas para o campeão mundial de 1978 Mario Andretti. No entanto, Dan é o americano com mais pódios (19).

Foto: Motor.es

Pequenos gestos e conquistas que eternizaram Dan Gurvey na história do automobilismo mundial. Um verdadeiro racer, cujo legado é enorme. Sua história e paixão pela velocidade inspiram milhares de jovens pilotos, que nunca se esquecerão de Gurney, mesmo sem saber quem ele é. Basta estourar a champanhe no pódio.

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