terça-feira, 7 de julho de 2020

F1, LIBERTY, GLOBO E O GOVERNO

Foto: Reprodução
Semana passada, a Folha de São Paulo publicou que existem negociações adiantadas entre a Rio Motorsports e a Liberty Media para que o autódromo de Deodoro, que nem existe ainda (se é que vai existir), seja a sede do GP do Brasil a partir do ano que vem.

2020 é o último ano de contrato de Interlagos com a categoria. No entanto, diante da impossibilidade de correr nessa temporada em virtude do Coronavírus, pode existir a possibilidade de uma renovação automática por mais um ano, igual a Liberty fez com os outros circuitos que não puderam realizar corridas nesse ano.

A diferença monetária é gritante: a tal Rio Motorsports ofereceu 65 milhões de dólares para a FIA, enquanto que o governo de São Paulo/Interlagos mantiveram os 20 milhões anuais acordados há tempos, desde a Era Bernie Ecclestone, que tem um carinho especial pelo circuito. Não só ele, mas quem realmente gosta de automobilismo. A maioria dos pilotos discordou dessa mudança quando questionados no passado.

O suposto autódromo de Deodoro, cujo nome seria Autódromo Ayrton Senna (originalidade nota 10) é administrado pela Rio Motorsports, cujo CEO é JR Pereira. Na semana passada, ele e Carol Sponza, Diretora de Assuntos Institucionais da Rio Motorsports, se reuniram com o presidente Jair Bolsonaro para falar sobre as pendências que restam para que a obra no circuito seja realizada. O presidente é favorável ao circuito carioca desde quando foi anunciado o projeto, antes mesmo de ser eleito Presidente da República. Agora, então, certamente deve estar ainda mais comprometido com isso após a rixa com o então "aliado" João Doria, governador de São Paulo, mesmo que a situação com Wilson Witzel, governador carioca, seja até pior.

A Prefeitura do Rio já deu o ok, mas o contrato ainda não foi assinado porque ainda não existe aprovado um plano de estudo de impacto ambiental no local onde pode ser construído o autódromo. É um espaço ambiental, onde fica a Floresta do Camboatá, e certamente o ecossistema na região seria impactado, por isso o questionamento de grupos ambientais e políticos.

Floresta do Camboatá, local onde pode ser construído o Autódromo de Deodoro. Foto: O Globo
A questão de um novo autódromo no Rio é antiga, desde quando Jacarepaguá foi demolido para as Olímpiadas de 2016. Em 2012, o exército cedeu um terreno para a construção de um autódromo. No entanto, foram descobertos artefatos bélicos não detonados no local, como armas e munições, e começou um lento processo de retirada dos materiais pelo Exército.

A Floresta do Camboatá é uma de área de 201 hectares, sendo 169 deles compostos por vegetação árborea, segundo relatório realizado pela Diretoria de Pesquisas Científicas do Jardim Botânico do Rio de Janeiro a pedido do Ministério Público Federal e, claro, uma boa parte da floresta seria afetada com a construção do autódromo. Segundo pesquisas, a área destinada para o circuito de Deodoro ocuparia 150 hectares. Se cada hectare tem 1.053 árvores, teriam que ser derrubadas no mínimo quase 160 mil árvores para a construção do circuito, o que liquidaria de vez com a floresta e todo o ecossistema da região.

O contrato só pode ser assinado quando for realizada uma audiência pública sobre o estudo, que foi suspensa em virtude do coronavírus e também por uma decisão judicial.

Projeto de Deodoro, com o traçado assinado por Hermann Tilke. Foto: Divulgação

Bom, se considerarmos que tudo seja assinado e confirmado, mesmo assim parece improvável que façam uma obra dessa em 18 meses, ainda mais no Brasil, certo? Então por que a insistência e o apoio do governo federal a um projeto que tem mais prós do que contras? Isso que nem vou entrar muito na questão financeira...

A questão é simples: na mesma reunião, também foi discutida a participação da Rio Motorsports em comprar os direitos de transmissão da F1, com o apoio do governo, é claro (e imagino que vocês saibam o porquê). Esse é o último ano de contrato da Globo com a agora Liberty, que ainda não foi renovado. Bernie já deu várias concessões para a emissora em virtude da longevidade e de, na época, a cobertura massiva da dupla Galvão Bueno e Reginaldo Leme.

Agora, sob nova direção, a Liberty exige contrapartidas: 22 milhões de dólares anuais e a entrada da F1 TV, streaming da categoria, no país. No contrato atual, a Globo ainda detém os direitos de TV e internet, mas certamente vai perder isso no próximo ciclo, se aceitar. A Globo aceita pagar apenas 20 milhões.

Dizem, que se a Rio Motorsports pagar o que a Liberty deseja, a transmissão seria repassada para o Grupo Disney, que agora são os canais Fox Sports e ESPN em âmbito esportivo. Seria o fim definitivo da categoria sendo transmitida em TV aberta, ao menos por agora. Tudo isso seria uma jogada do governo para atingir dois inimigos de uma vez: a Rede Globo e João Doria.

Bom, nem é preciso falar sobre as consequências terríveis que a construção de um circuito caríssimo em uma área de preservação ambiental vai acarretar para o estado, seja criminal ou financeiramente. Me surpreende a Liberty cair nesse papo, mas o bigodudo não é flor que se cheire. Interlagos é uma estrutura pronta e um dos circuitos preferidos e tradicionais da F1. Tirá-lo de lá é tirar uma história da categoria, mas sabemos que o Brasil não se importa muito com isso. É uma terra de ignorantes.

Pra finalizar, sobre as transmissões: duvido muito que a Globo não renove com a Liberty. Ela ganha uma grana altíssima dos patrocinadores, exibidos no horário nobre da TV brasileira (intervalo do Jornal Nacional) e ainda tem o apoio de figuras influentes na emissora, como Galvão Bueno.

É evidente que a F1 é um elefante na sala da atual Globo: o que um esporte de ricos e "poluente" tem a ver com o editorial da emissora, liberal na economia e progressista nos costumes por que isso dá dinheiro? A transmissão é porca. Os treinos não passam desde 2014, nem o pódio é mais transmitido... mas ainda assim é melhor que permaneça por lá do que entrar em uma aventura apenas por birra. Os clubes que romperam com a Globo para assinar com a Turner entendem do que estou falando...

Além do que, um dos canais da Disney vai ser extinto em breve. Considerando que o futebol internacional é o carro-chefe, alguém realmente acredita que o produto seria tão melhor valorizado assim? Vai ter repórteres e uma equipe nos autódromos? As corridas não irão ficar em segundo plano para que seja transmitido Brighton x Watford pela Premier League?

Nada disso faz sentido. O atual não é nada bom, mas o futuro pode ser muito pior.

Até!

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