terça-feira, 22 de dezembro de 2015

TEXTOS ESPECIAIS: A arquibancada pulsa, treme e respira

Eaí, pessoal! Vamos para o segundo texto da série de textos especiais que eu escrevi durante o semestre para a faculdade. Enquanto a F1 não vem, dessa vez o texto é sobre futebol e a experiência de acompanhar um jogo no estádio. Os detalhes do antes, durante e depois você acompanha agora! Lê aí! 
P.S: O texto é do dia 27 de outubro.

A ARQUIBANCADA PULSA, TREME E RESPIRA

Foto: Globoesporte.com
Um sábado de sol maravilhoso em Porto Alegre. É um alento. Muitos gaúchos ainda sofrem com os efeitos dos fortes temporais que alagaram e causaram (e ainda causam) transtornos nas moradias das cidades do Estado. Pois bem, parece que hoje o tempo está ótimo. O que fazer em Porto Alegre num sábado de tarde ensolarado? Ir para o jogo de futebol, é claro.

Com a primeira semana do horário de verão em vigor, o sol irradiava. Eram cinco e meia da tarde. O treino da Fórmula 1 estava sendo adiado (e posteriormente cancelado) em virtude dos temporais causados pelo Furacão Patrícia. “Vamos logo”, insistiu o pai. E fomos. Vesti a camisa do Inter e uma calça jeans. Coloquei dinheiro, identidade e carteira de sócio nos bolsos, além do celular e da chave. “Bote um casaco, vai esfriar de noite”, alertou o pai.

Não coloquei casaco nenhum. Estava quente e não ia ficar segurando para colocar só depois. “É frescura dele”, pensei, como sempre. Saímos a pé. Da Azenha até o Beira-Rio, a distância não é grande. Sempre que vou ao estádio, percorro o mesmo caminho. Botafogo, José de Alencar, uma rua que faz esquina com a Padre Cacique que eu não sei o nome e a avenida. Chegamos. Eu, meu pai e uma massa de colorados esperançosos por mais uma vitória de seu time. Durante o caminho, o de sempre: Flanelinhas fazendo de tudo para que os carros estacionem na rua ou em um estacionamento, vendedores comercializando cerveja e refrigerante no isopor, vários estabelecimentos no Parque Marinha do Brasil disputando ferozmente o espaço para a venda de churrasquinhos, cachorros-quentes e bebidas. Sem contar no clássico Tele-X, tradicional ponto de encontro dos torcedores para lanchar e “molhar a palavra” antes da partida (Saudade, MekAurio).

A primeira vez

Chegamos no Beira-Rio, subimos a rampa, passamos pelos stewards, passamos a carteirinha pela catraca e entramos. Estava escutando a rádio no fone de ouvido. Tudo sobre as informações do jogo, escalações, análises e palpites dos torcedores que também estavam nos arredores do estádio. Muita festa. O clima era feliz, alegre e confiante. O pai segurava o casaco com uma mão enquanto seu inseparável rádio de pilha estava na outra.  Ficamos na Superior, na fileira mais alta, com as pernas apertadas no banco da frente. Estávamos preparados para a batalha que se sucederia logo a seguir.

As informações chegavam a todo o vapor, via fone de ouvido. Até que escutei algo diferente: O clube disponibilizou ônibus para os desabrigados irem do Ginásio Tesourinha para a partida. Muitos colorados, que no momento estavam morando provisoriamente no Ginásio, estavam lá, nas arquibancadas. Um belo gesto do Inter. Para muitos, seria a primeira vez no Novo Beira-Rio, talvez a primeira vez em um estádio de futebol mesmo, contando o novo e o velho estádio do colorado.  Infelizmente, com os ingressos mais caros, uma boa camada da população não possui condições financeiras de ir a uma partida de futebol. O elitismo dos ingressos e as “Arenas modernas” segregaram e delimitaram o público que pode frequentar um estádio de futebol.  Isso, além das próprias dificuldades financeiras que a maioria dos desabrigados enfrentam, são fatores que ajudam a explicar o fato de que para a grande maioria deles seja a primeira experiência na “cancha”, acompanhando seu clube do coração.

Quantas histórias maravilhosas estão lá, esperando alguém para que sejam contadas e desvendadas? Quantos relatos distintos da “primeira vez” em um jogo de futebol podem ser descritos, seja pela perspectiva de um repórter ou a da pessoa envolvida, através de uma crônica como essa, por exemplo? Mais tarde, talvez, a criança ou até mesmo o adulto que viu o jogo pode contar as suas impressões e memórias de um dia tão especial. Durante 90 minutos, todas as dificuldades que essas pessoas passam e estão passando serão momentaneamente esquecidas, como se nunca existissem. Irão acompanhar o jogo, como se nada mais existisse e importasse. Eles irão se divertir e sentir sensações únicas. Não, o futebol “não é só um jogo”.

Cornetas e impaciência

Começa o jogo. Todo mundo animado. Qualquer jogada feita, seja ela certa ou errada, a torcida aplaude e incentiva. Passados alguns minutos, o Inter começa mal o jogo. Em uma saída de bola errada, quase que o colorado sofre o gol. A torcida xinga e se assusta com a possibilidade, mas tudo vira alívio, grito e aplauso quando o perigo é desfeito. Erros de passe. Irritação geral. “Tem que tirar esse cara, ele é muito ruim”, esbravejava um senhor do meu lado esquerdo. No direito, o pai. O juiz sempre é alvo. “Tá querendo aparecer”, “É um murrinha”, vaias e xingamentos inapropriados para o texto foram exclamados pelo torcedor, já impaciente com um empate chato e um jogo ruim. Intervalo. Alguns mais exaltados já vaiaram o time, enquanto outros aplaudiam, como se quisessem dizer “Fiquem calmos e apoiem o Inter”. 

Aos poucos, o público disperso nas cadeiras vai as dependências do estádio para ir ao banheiro e comprar lanches e bebidas. A raiva momentânea vai embora. No ouvido, a análise do primeiro tempo. O de sempre: A equipe não está bem, tem que melhorar, o treinador precisa mexer no segundo tempo, etc. É um momento de reflexão. Como se fosse um treinador, começo a pensar nas alternativas do segundo tempo. “Tem que tirar Fulano e deslocar Beltrano para a zaga e colocar Ciclano no meio”, pensava, como se fosse um José Mourinho ou Josep Guardiola. Ao menos no estádio e na minha cabeça, eu era. E muito melhor que eles, diga-se de passagem.

A explosão

Segundo tempo. As pessoas voltam a se acomodar em seus lugares para mais 45 minutos de luta. O panorama não muda. A partida segue truncada e a vitória parece ser algo distante, irreal, um delírio. A irritação aumenta. “Mexe nesse time, técnico desgraçado”, disse um. “Tira esse cara, pelo amor de Deus”, exclamava outro. Uma voz irritada, do topo do estádio, gritava a plenos pulmões: “Pombas, mexe nesse time logo, carvalho”. A cada lance errado, um urro furioso, vaias, a frustração começa a aparecer. Pouco depois, quase que o Joinville abre o placar. Se o técnico não age, a torcida faz a sua parte. Começa a cantar e empurrar o time.

No início, não mudou muita coisa. “É só bico e balão, só assim pra fazer gol”, concordavam os torcedores, muitos deles nunca haviam se encontrado na vida, mas se comunicavam como se fossem velhos amigos de infância. Escanteio para o Inter. Os jogadores pedem o apoio da torcida, que levanta, canta, grita e pula, tudo para empurrar o time e marcar o gol. Escanteio curto (um câncer do futebol moderno). Bola devolvida na direita e o maestro da equipe, o camisa 10, cruza magistralmente com sua canhotinha habilidosa. O centroavante nem precisou pular para cabecear e fazer o que melhor sabe: O gol. Festa! Torcedores pulam, gritam, comemoram. Dão socos no ar, se abraçam, cumprimentam, beijam. Abracei o pai e gritava loucamente “Goool” e outros impropérios. Abracei o cara do meu lado como se fossemos íntimos.

O futebol proporciona isso. Milhares de pessoas que nunca se viram antes (e talvez nunca se encontrem depois do jogo) estão unidos por uma paixão, um bem maior. No gol, “o grande momento do futebol”, a emoção em ver na TV e no estádio é completamente diferente. Abraçar desconhecidos, sem preconceito racial ou de classe. Na bancada, como dizem os portugueses, somos todos iguais. Somos todos paixão. Só o futebol pode proporcionar isso. E, reitero, ele não é só um jogo.

Tensão, alegria e fim

Se existe algo que tortura e causa angústia um apaixonado por futebol é o final de um jogo apertado. Os minutos demoram dias para passar. A pressão da equipe visitante é fortíssima. Não dá nem para respirar. A todo momento, desespero e calma estão lado a lado. Um, querendo que o jogo termine logo. O outro, o lado mais racional, pede que os jogadores valorizem a posse de bola e segurem o resultado. Não tem jeito, é só bico e balão, não é mesmo?

Não importa se o adversário é o vice-lanterna do campeonato, o torcedor pessimista sempre acredita que o time vai tomar o gol de empate no fim. A pressão aumenta. Os torcedores, como se fossem regidos por um maestro oculto, sinalizam com os braços pedindo o fim da peleja. Todo mundo fica de pé, aguardando o apito final. Bola no meio-campo, o juiz apita. Explosão no Beira-Rio. Torcedores gritam, comemoram, se abraçam. Valeu a pena. Todo mundo vai feliz para a casa curtir os embalos de sábado à noite. Espera um pouco. Os jogadores seguem em campo. O juiz marcou falta. Os mais desavisados, que estavam prestes a deixar o estádio, ficam congelados. A tensão volta com contornos violentos. “Não pode ser, esse juiz tá de brincadeira”, “Quer aparecer” e outros xingamentos pesados voltam à tona.
 
Não durou muito. Segundos depois do primeiro apito, veio o segundo, e agora derradeiro. Segundos que duraram umas três horas, no mínimo. Fim de jogo. Um a zero. Suado e sofrido. Time não jogou bem. Ninguém se importa. A vitória veio. Agora sim, dá para sair e curtir o fim de sábado, saboreando a vitória. Para os desabrigados, muitos deles testemunharam a primeira vitória de seu clube do coração in loco. Ironia: Se não fosse a enchente, a comoção e a solidariedade das pessoas, provavelmente a grande maioria dos presentes seguiriam sem acompanhar seu time no estádio. Não haveria desabrigados, nem campanhas, tampouco ações sociais. Uma triste realidade.

O pai tinha razão. Esfriou bastante. Já era noite. O vento do Guaíba gelava e arrepiava meu corpo. Como sempre, fingia que estava bem, sem deixar transparecer que estava com frio. Não, não era necessário pegar o casaco. “Até voltar para casa, meu corpo vai estar aquecido e nem vou sentir nada”. Pode ser verdade. Confesso que não lembro se o nariz escorreu ou algo do gênero. Sobrevivi ao vento, tensão, sofrimento e raiva. Ganhamos. É o que importa. Agora é curtir e se preparar para a próxima batalha no Beira-Rio, que certamente será pior e mais difícil, mas única. Como todo jogo de futebol. “Cada jogo tem uma história”, já dizia o poeta.

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