segunda-feira, 27 de maio de 2024

SUSPIRO ANTES DO METEORO

 

Foto: Getty Images

A F1 ultimamente não tem dado boas notícias. Não apenas a dinastia de Verstappen, pois sempre estamos acostumados com isso, mas porque simplesmente não há renovação do grid, mais equipes, mais pilotos talentosos ou circuitos de verdade.

A obsessão por corridas de rua e a “americanização” da categoria tornou tudo um espetáculo, banalizando a importância dos eventos. Autódromos lotados, mas quase tudo superficial, incluindo a série da Netflix que trouxe para a F1 um público que talvez não entenda o que é o automobilismo, apenas esse simulacro do pós-pandemia em diante.

Estes são problemas que repetidamente escrevi ao longo dos anos em que mantinha o blog diário. É inútil repetir, mas hoje vou abordar uma notícia já antiga e que a grande maioria não concordou, mas faço questão de nadar contra a maré, como quase sempre.

O processo da F1 ficou cada vez mais simplificado. Um clubinho de 10 equipes, onde por exemplo temos a Red Bull com duas, enquanto Ferrari e Mercedes possuem tentáculos nas outras em virtude do fornecimento de motor e outras coisas. No meio disso tudo, Renault e Honda. Para 2026, Audi e Ford, fornecedoras.

10 equipes é muito pouco. Apenas 20 vagas. É possível renovar o grid sem testes ilimitados e paciência com os jovens que certamente sentem uma grande diferença entre um carro da categoria de base e um F1? Óbvio que não, tanto que pela primeira vez na história tivemos um grid idêntico.

Quais as formas de chegar na categoria? Obviamente, tendo muito dinheiro, isso desde que o mundo é mundo. Temos simples exemplos de Stroll, Zhou e Pérez, que são bancados e trazem patrocinadores.

A forma menos cara, por assim escrever, são as famigeradas academias de pilotos. Lá atrás, com a Mercedes e a Red Bull nos anos 1990, muitos pilotos se aproveitavam disso, na época em que tínhamos fartura de 22, 24 ou 26 carros.

Mais recentemente, o próximo começou por Hamilton (McLaren) e a Red Bull se popularizou, com sucessos e fracassos. Você sabe: Vettel, Ricciardo, Verstappen, Gasly, Albon, entre outros que se perderam no caminho.

Mais recentemente, Ferrari e McLaren também entraram nesse universo. Se for parar para pensar, Massa era da academia dos italianos. Depois de Hamilton, a McLaren apostou em Vandoorne e só agora em Norris. A Williams inventou Sargeant. A Renault tinha Ocon e perdeu Piastri.

Alguns possuem bons empresários, que facilitaram o processo lá no início. Alonso era da Renault e de Flavio Briatore. Bottas era de Toto Wolff, que ainda tinha a Williams. Russell e Wehrlein vieram da Mercedes, assim como Ocon, metade-metade com a Renault.

Anos atrás, escrevi que Grosjean era um dos últimos que se mantinham sem esse grande apoio ou de patrocínios, embora o início tenha sido empurrado pela Renault. Sobra justamente um nome: Nico Hulkenber, o Roberto Pupo Moreno da nossa geração.

A história de Hulk já foi escrita por aqui: campeão da GP2, chegou na Williams, fez pole em Interlagos, perdeu a vaga, foi pra Force India, aí teve o ápice na Sauber, voltou pra Force India e não deu certo na Renault. Com a pandemia, virou o 21° piloto de quase todo mundo até voltar definitivamente para a Haas. Tudo isso na base da experiência e do talento, claro.

Hulk sofreu por não conseguir ter o equipamento certo na hora certa. As piadas de nunca ter pódio atestam isso. Azar e erros na hora decisiva também, mas é um acertador de carros. Nas CNTP, faz o que é pedido, desde sempre.

Sim, no início do texto, reclamei da falta de renovação do grid. Apesar disso, não é um contrassenso comemorar que Nico vai para a Audi, a antiga Sauber, o que seria um retorno.

Sim, precisamos de novos talentos no grid. Alguns perdem o timing e não chegam nunca. A maioria precisa estar numa academia de pilotos, o que permite os melhores carros na base e consequentemente chances de destaque, títulos, mídia, cartaz. Kimi Antonelli, se não errar muito, já está com um pé e meio na categoria justamente por ser um prodígio acelerado da Mercedes.

Nesse universo de poucas vagas, muita grana e academia de pilotos, Hulkenberg se encaixa na experiência. Como escrevi também: poucos testes não permitem grandes riscos, a menos que se trate de um caminhão de dinheiro ou exista um novo Raikkonen ou Verstappen já aptos antes dos 18 (ok, o tal do Antonelli pode estar nessa lógica também, mas é apadrinhado).

Por isso que Hulkenberg continuar no grid é uma vitória para o automobilismo do jeito que eu cresci e conheci. Em um universo já tomado pelos mesmos caminhos e procedimentos, é um sopro de alegria e pertencimento ver um cara experiente, que perdeu o valor de mercado e é chacota ainda resistir no crème de la crème do automobilismo.

Não me engano: sei que isso é somente um suspiro em meio a um processo já irreversível do automobilismo como conheci, como ele é hoje e como a nova geração enxerga tudo isso. Num mundo de Liberty Media, Drive To Survive, corridas de rua, áreas de escape asfaltadas e proibição de correr no molhado, a permanência de um journeyman em meio a um período nebuloso e sem emoção da F1 precisa ser comemorado, mais do que realmente deveria. Aproveitemos então, enquanto o meteoro não chega em nós, dinossauros.

Até!