terça-feira, 10 de setembro de 2019

O MONSTRO

Foto: Getty Images
No texto da corrida do GP da Itália do ano passado, fiz um paralelo entre a obra "O Médico e o Monstro". Nela, traçei um paralelo dividindo as duas personalidades, onde o "Médico" seria Lewis Hamilton e o "Monstro" seria Sebastian Vettel, um pela frieza nos momentos importantes e o outro pelo oposto nas mesmas situações.

Nada mudou. Hamilton segue cerebral e dominante, a caminho do hexacampeonato. Enquanto isso, Vettel tem zero vitórias nesse meio termo, está longe de brigar pelo título e vê um fantasma se repetir: o novato que chega botando banca e, aos poucos, vai conquistando o espaço que deveria ser do tetracampeão.

Até domingo, Vettel estava na frente de Leclerc nos pontos, mas as atuações não condiziam. De modo geral, desde a França que o monegasco estava começando a bater o tetracampeão, que deveria ter uma vitória, que foi roubada no Canadá, enquanto Leclerc perdeu o Bahrein graças a Ferrari e na Áustria por uma certa ingenuidade diante do visceral Verstappen.

Logo em Monza, outro erro. Uma escapada de traseira enquanto era o quarto colocado. Sempre foi sua dificuldade lidar com esses problemas na traseira, acentuados após a era Adrian Newey. Pior foi a saída de juvenil, batendo em Stroll e quase provocando uma catástrofe. Agora com nove pontos na carteira, se Vettel "conquistar" mais três pontos em Cingapura ou na Rússia, será suspenso por uma corrida.

Errar assim em meio a vitória do novo ídolo local e em casa, quebrando um jejum de nove anos sem vitórias em Monza é mais um baque psicológico para Seb. Além das deficiências que vêm apresentando na pista, me parece que a cabeça também anda bem ruim. Muitas críticas, muita pressão por resultados, por ser o líder que não parece ter mais condições de ser na equipe. E pensar que se não fosse a honra da palavra do falecido Marchionne era para Raikkonen ainda continuar na equipe, com tudo isso sendo mascarado.

Vettel nunca venceu largando abaixo do top três. Isso quer dizer muita coisa. Claro que teve grandes atuações, como Abu Dhabi 2012 e mais recentemente na Alemanha, mas a tônica do alemão é: se não sair voando na ponta logo no início, as coisas se complicam. Na Red Bull, essas deficiências praticamente não se mostravam pela eficiência do carro. Agora está tudo mais claro.

Como escrito até durante o auge da Era Vettel/Red Bull em outros lugares, Seb nunca foi piloto para quatro títulos mundiais, não é demérito disso. Dois já estaria de bom tamanho. Concluo que, diante das más atuações, erros e ascensão de Leclerc, o futuro do alemão não é dos mais promissores. Sem Hamilton, a tendência é que o protagonismo seja do #16 e de Max. Com contrato até ano que vem, talvez não seja surpreendente que o emocional Vettel peça o boné no fim do ano. Não há espaço em outras equipes. Aguentaria andar em uma equipe intermediária para coletar pontos e andar sem pressão?

O monstro está quase tomando conta do piloto Sebastian Vettel. O tetracampeão ainda existe ou é um estado acelerado de decomposição da carreira do terceiro maior vencedor da história da categoria?

Até!

segunda-feira, 9 de setembro de 2019

ERA PARA SER - PARTE 2

Foto: Getty Images
Depois de tanto namorar com a vitória, Charles Leclerc já teve mais um encontro com a bandeira quadriculada. Mais uma vez, teve muita emoção e incerteza até o final, mas diferentemente da semana passada, o monegasco pode extravasar em frente aos tifosi, quebrando um jejum de nove anos sem vitória ferrarista em Monza, templo segredo do automobilismo que anualmente mostra porque é a alma da Fórmula 1. A reta toda tomada para saudar o novo herói que veste macacão vermelho.

Ninguém é capaz de engolir a Ferrari nas retas e, consequentemente, em circuitos de alta. No entanto, o miolo do carro ferrarista é claramente inferior as Mercedes e até mesmo a Red Bull. Leclerc teve que ir até o limite para garantir duas vitórias italianas que podem demorar a acontecer outra vez. Diante de uma pressão incessante de Hamilton por mais de 40 voltas, o monegasco chegou a cometer erros e foi malandro ao correr o risco ao passar pela salsicha da chicane e espremer Hamilton na saída do retão. Para punição? Não, embora tenham feito isso com o brasileiro Sette Câmara na F2, uma injutiça, mas o inglês deixou bem claro que não gostou: no jogo mental, entendeu o que o monegasco é capaz de fazer. Depois de Verstappen na Áustria, "Charlinho" adotou uma postura completamente agressiva que vai dando resultados até aqui.

Os pneus de Hamilton não aguentaram a pressão e passou reto na chicane. Deixou mastigadinho para Bottas, com pneus mais frescos, matar a questão. Pra variar, Bottas não foi combativo e sequer ameaçou Leclerc. Quando tentou, travou e errou. Essa é uma das corridas que se nota claramente a diferença entre as "prateleiras dos pilotos", e o finlandês não está no topo delas. Inexplicavelmente ganhou mais um ano com as flechas de prata. Que desperdício.

Foto: Getty Images
E o que escrever sobre Sebastian Vettel? Não haveria lugar e momento pior para errar mais uma vez. Talvez seja mais uma ação emblemática. Entrarei em detalhes no texto de amanhã, mas tenho que frisar: como pode um tetracampeão voltar para a pista como se fosse um amador, causando o risco de causar uma catástrofe gigantesca naquela freada? Pior: Stroll, que sofreu a barbeiragem do alemão, fez a mesma coisa com o coitado do azarado Gasly logo depois! Inacreditável! Vettel está sendo engolido por Leclerc, finalmente os números mostram isso: 2 vitórias e 4 poles, agora 13 pontos a frente na tabela. Erros que não acabam, mental abalado, mais de um ano sem vencer, falta de adaptação ao estilo do carro... vários são os motivos para Ferrari e Vettel repensarem seus futuros até o final do ano.

Quem aproveitou isso foi a Renault, que conquistou seu melhor resultado desde o retorno à F1. O criticado motor mostrou boa resposta em um circuito de alta. Ricciardo e Hulk reinaram tranquilos na quarta e quinta posições, aproveitando-se da inconsistência da Honda, que voltou a lembrar os tempos da McLaren, apresentando problemas de potência e durabilidade com suas equipes. Albon de novo fez seu papel dentro do possível. Verstappen já estava com a corrida prejudicada, piorando ainda mais na largada ao trocar o bico e somar apenas alguns pontos.

Pérez voltou bem das férias, assim como a Racing Point, e herdou a boa corrida que fazia Stroll até Vettel aparecer no meio do caminho. Giovinazzi finalmente passou Kubica nos pontos e ameniza a pressão. Norris fez o que pode e sai com um pontinho. A Haas é uma bagunça e um fracasso em 2019. Um carro até veloz, mas que vai caindo até o final do grid de forma assustadora.

Depois do desabafo da corrida da França, a F1 vem numa sequência de grandes corridas, decididas no detalhe, deixando todo mundo tenso, atento e torcendo até o fim. Por um momento, até se esquece que Hamilton será campeão daqui algumas semanas. O engraçado é escrever que, paradoxalmente, apesar de brigar com Leclerc e Verstappen, Lewis não teve concorrentes para o campeonato, apenas para as corridas. Se melhorar isso, será a cereja do bolo.

Confira a classificação final do GP da Itália:


Até!

sexta-feira, 6 de setembro de 2019

CHOVE E NÃO MOLHA

Foto: Getty Images
Com a provável possibilidade de que todo o final de semana seja chuvoso na Itália, desta vez os pilotos foram para a pista para continuar os testes ao invés daquela modorrenta volta de instalação que frustra e irrita todos que pagaram caríssimo para passar três dias em um autódromo.

Ainda assim, não é possível tirar uma conclusão. Escrevo isso enquanto chove em Porto Alegre. Leclerc foi o mais rápido nos dois treinos mas na chuva as condições mudam. Nas CNTP, a Ferrari é favoritaça para a pole, mas enfrenta um sério problema no desgaste dos pneus. Uma condição mista ou diferente favorece sempre quem está inferior naquele contexto, que no caso deste final de semana são Mercedes e Red Bull. Só lembrar do que foi em Hockenheim.

O final de semana promete ser épico, com chuva, sol ou os dois ao mesmo tempo. A Ferrari pode repetir o drama do ano passado quando Raikkonen liderou a prova toda mas no final, sem pneus, sucumbiu para Hamilton. Com a chuva, entra em questão Verstappen e o sempre imponderável de uma pista em condições úmidas. Hoje tivemos várias escapadas e batidas pois há muita dificuldade para todos em achar a temperatura ideal dos pneus.

Como é bom estar de bem com a Fórmula 1, mesmo que sejam necessário muitas coisas para que ela fique cada vez melhor.

Confira os tempos dos treinos livres desta sexta em Monza:



Até!


GP DA ITÁLIA - Programação

O Grande Prêmio da Itália foi disputado pela primeira vez em 1921, em Montichiari, na província de Bréscia, num circuito feito de vias públicas. Está desde sempre no calendário da Fórmula 1, e sempre é realizado em Monza, à exceção de 1980, quando o GP foi disputado em Ímola para atender a demanda dos fãs da Romagna.

Foto: Wikipédia
ESTATÍSTICAS:
Melhor volta em corrida: Rubens Barrichello - 1:21.046 (Ferrari, 2004)
Pole Position: Kimi Raikkonen - 1:19.119 (Ferrari, 2018)
Último vencedor: Lewis Hamilton (Mercedes)
Maior vencedor: Michael Schumacher (1996, 1998, 2000, 2003 e 2006) e Lewis Hamilton (2012, 2014, 2015, 2017 e 2018) - 5x

COM O PÉ DIREITO

Foto: Reprodução/ Red Bull
Alexander Albon teve uma grande estreia na Red Bull. Largando das últimas posições em virtude da punição por ter trocado de motor, começou com os pneus mais duros e na parte final da prova, com os macios, engoliu todos que eram possíveis para chegar em quinto.

O tailandês nascido e criado na Inglaterra lembrou das atuações que o consagraram vice-campeão da F2 ano passado, sempre aparecendo na reta final. Contou com a sorte para chegar em quinto, mas a sorte acompanham os bons e fez uma ultrapassagem indo até a grama para superar Sérgio Pérez.
É claro que tudo isso lhe rendeu elogios dos exigentes chefes da equipe, principalmente de Christian Horner:

“Alex me impressionou durante todo o fim de semana com sua abordagem, seu feedback e seu ritmo. Na corrida, ele fez um trabalho muito maduro. Na primeira metade da corrida, não fomos tão competitivos com os pneus duros quanto fomos com os macios, mas ele não cometeu nenhum erro bobo e nem correu riscos bobos", falou.

Horner também elogiou muito as ultrapassagens de Albon, sobretudo em cima de Ricciardo:
“Nós sabemos que Daniel é um corredor duro. A manobra dele para cima de Daniel e para cima de Sergio na última volta foram impressionantes”, reconheceu Horner. “Ir de 17º para 5º foi um início muito bom”, concluiu.


Em uma corrida, Albon se destacou mais que Gasly durante toda a primeira metade da temporada. É um piloto que sabe poupar pneus e dar o bote no final. É claro que teve a sorte de Verstappen ficar fora e ter mais holofotes, porque todos sabemos qual será seu papel no time dos energéticos: o segundão do holandês, mas com um bom ritmo e o maior número possível de pontos. Conseguiu chegar na melhor posição possível no final de semana, o que já é um ótimo cartão de visitas para este novato, sempre bom frisar.

SEM HIERARQUIA

Foto: Getty Images

Durante a temporada, em várias oportunidades a Ferrari priorizou Sebastian Vettel em detrimento do jovem Charles Leclerc, o que é normal, comparando-se o currículo dos dois. No entanto, em alguns casos, o alemão não era o mais rápido entre os dois, o que dava uma sensação de injustiça e de protecionismo.

Todavia, na Bélgica, foi o contrário. Com estratégias diferentes, Vettel estava na liderança mas Leclerc era muito mais rápido e fez a ultrapassagem a partir de uma ordem do chefão Mattia Binotto. Então isso quer dizer que agora o #16 é o primeiro piloto e o #5 é o segundo?

“Os dois pilotos têm e vão ter o mesmo tratamento. Simplesmente, se você é mais rápido e pode vencer a corrida, a equipe intervém e pede que um piloto ajude o outro. Isso aconteceu em muitas equipes ao longo dos anos e não vai mudar na Ferrari. “Ainda haverá oportunidades para Sebastian. Vamos seguir corrida após corrida, e o melhor piloto vai ser o que ocupar a liderança. Vamos seguir vendo como vai ser em Monza”, disse Binotto para a agência ‘GMM’.

Claro que gostaríamos de pegas inesquecíveis na pista, mas o que aconteceu domingo foi o correto. Leclerc estava bem mais rápido e tinha que passar para não perder tempo, tanto é que venceu com apenas nove décimos de vantagem. Como a Ferrari tem sérios problemas no desgaste dos pneus, o que vai acontecer é que o mais lento dos dois sempre terá a corrida sacrificada em prol da possível vitória do outro. Desta vez foi com Vettel. Em Monza, vai depender deles. Isso é ordem de equipe com inteligência.

CLASSIFICAÇÃO:
1 - Lewis Hamilton (Mercedes) - 268 pontos
2 - Valtteri Bottas (Mercedes) - 203 pontos
3 - Max Verstappen (Red Bull) - 181 pontos
4 - Sebastian Vettel (Ferrari) - 169 pontos
5 - Charles Leclerc (Ferrari) - 157 pontos
6 - Pierre Gasly (Toro Rosso) - 65 pontos
7 - Carlos Sainz Jr (McLaren) - 58 pontos
8 - Daniil Kvyat (Toro Rosso) - 33 pontos
9 - Kimi Raikkonen (Alfa Romeo) - 31 pontos
10- Alexander Albon (Red Bull) - 26 pontos
11- Lando Norris (McLaren) - 24 pontos
12- Daniel Ricciardo (Renault) - 22 pontos
13- Sérgio Pérez (Racing Point) - 21 pontos
14- Nico Hulkenberg (Renault) - 21 pontos
15- Lance Stroll (Racing Point) - 19 pontos
16- Kevin Magnussen (Haas) - 18 pontos
17- Romain Grosjean (Haas) - 8 pontos
18- Antonio Giovinazzi (Alfa Romeo) - 1 ponto
19- Robert Kubica (Williams) - 1 ponto

CONSTRUTORES:
1 - Mercedes - 471 pontos
2 - Ferrari - 326 pontos
3 - Red Bull Honda - 254 pontos
4 - McLaren Renault - 82 pontos
5 - Toro Rosso Honda - 51 pontos
6 - Renault - 43 pontos
7 - Racing Point Mercedes - 40 pontos
8 - Alfa Romeo Ferrari - 32 pontos
9 - Haas Ferrari - 26 pontos
10- Williams Mercedes - 1 ponto

TRANSMISSÃO:









quarta-feira, 4 de setembro de 2019

A ÚLTIMA VITÓRIA

Foto: Gazeta Press
13 de setembro de 2009. Grande Prêmio da Itália. Rubens Barrichello chegava para o mítico circuito de Monza com 16 pontos de desvantagem em relação ao líder, o companheiro de equipe Jenson Button.

A Brawn não era mais a melhor equipe. McLaren, Ferrari e Red Bull estavam evoluindo bastante e chegaram a superá-los em certo momento. No entanto, a vantagem absurda daquele início de campeonato foi tão grande que foi o suficiente para se tornar apenas uma disputa particular entre Button e Barrichello.

Barrica foi o quinto e Button o sexto. A pole foi de Lewis Hamilton, seguido pela Force India de Adrian Sutil, aproveitando a característica daquele carro que já havia feito a pole na corrida passada com Fisichella, então novo piloto da Ferrari. Os finlandeses Raikkonen e Kovalainen ficaram na segunda fila.

Com mais combustível, a Brawn partiria para uma parada, enquanto o resto ia de duas. Rubinho ainda passou Kova logo no início e perseguiu pacientemente os três ponteiros. Quando todos foram nos boxes duas vezes, Barrica parou e assumiu a liderança faltando 18 voltas para liderar até o fim. Button foi o segundo, o que seria ruim para as pretensões no campeonato. Tentando pressionar o compatriota, Hamilton bateu na última volta e entregou o pódio para Raikkonen.

Foi a terceira vitória de Rubinho em Monza, a última na carreira e a última do Brasil na categoria até então. Hora de relembrar!



Até!

terça-feira, 3 de setembro de 2019

O PREÇO

Foto:
Os três primeiros colocados do ano passado foram para a Fórmula 1: George Russell, Alexander Albon e Lando Norris. A F2 voltava a cumprir com o seu papel de revelar talentos e ser o "último estágio" antes da Fórmula 1, embora não seja uma prática incomum muitos pilotos pularem direto da F3/GP3, casos de Kvyat, Bottas e Max Verstappen. Alguns anos atrás, os campeões eram ignorados, como Fabio Leimer, Davide Valsecchi e mais recentemente tivemos Stoffel Vandoorne, Jolyon Palmer e Charles Leclerc.

Com uma saída de três grandes talentos, seria natural que o grid perdesse qualidade. Outros pilotos, vendo que é inútil ficar dando voltas na F2 sem perspectiva para a F1, se mandam para a Fórmula E. Quase foi o caminho de Alexander Albon, se não fosse a saída de Ricciardo para a Renault e o efeito dominó que isso causou.

O automobilismo moderno virou um clubinho. Claro que sempre teve os ricos que compravam tudo, seja pelo dinheiro, pelo sobrenome ou por alguém lavasse dinheiro ali sem se importar com nada. No entanto, os custos aumentaram. Não há mais equipes, as vagas ficaram mais escassas. A "seleção natural" diminuiu.

Hoje, para se tornar um piloto que chega na F1, é necessário três e somente três coisas: dinheiro, academia de pilotos e sobrenome. Se analisar o grid, os únicos que não encaixam nesse perfil são Kubica (que traz dinheiro sim, mas é uma outra questão) e Raikkonen (que também é de uma geração mais anterior ainda). O resto chegou por algum dos três meios.

Sem o dinheiro e a possibilidade de mostrar o talento natural e aprimorar outras habilidades, o automobilismo está cada vez mais resumido em filhos de pilotos, apadrinhados da academia tal desde os cinco anos e bilionários do Paquistão ou do Canadá que colocam o filhote lá e que, com todo o dinheiro para contratar os melhores profissionais e pilotar os melhores carros, fica impossível não conseguir resultados "consistentes" e que justifiquem uma contratação futura.

O que eu quero dizer? Com menos talento natural e a prioridade cada vez mais por outras circunstâncias (o automobilismo é caro, não existe mais o apoio das empresas tabagistas e é necessário fechar as contas), a qualidade do grid diminui. Se a qualidade do grid diminui, a possibilidade de barbeiragens e má pilotagens é muito maior.

Vamos pegar o grid da Fórmula 2 desta temporada. Teoricamente, como o próprio nome diz, deveriam estar os 20 pilotos mais "próximos" da F1, os que ainda precisam dos últimos aprimoramentos ou de um título para efetivamente serem promovidos. Sem Russell, Gasly e Norris, temos a seguinte situação.

As permanências de De Vries (piloto McLaren, com 24 anos), Nicholas Latifi (com muito dinheiro, o canadense também já está lá há algum tempo), Sérgio Sette Câmara (ex-Red Bull e hoje reserva da McLaren), Matsushita (ligado a Honda), Nikita Mazepin (muito dinheiro da Rússia e ligado a Renault), Sean Gelael (muito dinheiro da Indonésia) e Luca Ghiotto (piloto Ferrari). Razoáveis ou bons pilotos que só estarão na F1 por algum fator circunstancial.

Nesta temporada, ainda tivemos a entrada de diversos pilotos que estavam na antiga GP3, hoje F3, alguns deles: Dorian Boccolacci, Arjun Maini, Callum Ilott, Jack Aitken, Giuliano Alesi, Juan Manuel Correa, Tatiana Calderón, Ralph Boschung, Juan Manuel Correa e o campeão do ano passado, Anthoine Hubert.

Temos também a "cota dos sobrenomes", que tem o já citado Alesi, Louis Delétraz e o mais famoso, Mick Schumacher. Para completar, o caso mais emblemático: o indiano Mahaaver Raghunathan, quase obscuro, bancado por algum indiano que não tem amor ao dinheiro. Já foi suspenso de uma corrida por má pilotagem e em Spa atingiu outra punição. Vai ficar fora de Monza.

Juntando todos esses pilotos ruins e razoáveis, sobram poucos bons valores, como o chinês Zhou, por exemplo. Isso, somado a debandada dos três do ano passado, formou o pior grid da F2 em todos os tempos. Consequência, é claro, dos custos do automobilismo e da quase imbatível tríade dinheiro-academia-sobrenome. Isso, é bom frisar, no "último estágio" antes da Fórmula 1.

Calderón só está lá porque é mulher e o indiano é um outro escândalo. Outros nomes não têm qualidade para estar ali. O resultado são inúmeras barbeiragens e erros de pilotagens. Poucos são os bons valores. De Vries, o provável campeão, deve rumar para F-E. Sérgio Sette Câmara e Zhou, a princípio, seriam os grandes talentos que continuariam, sem contar com o endinheirado Latifi e o midiático Mick.

A morte de Hubert é uma fatalidade e/ou um azar, mas há um porém. Não pode ter sido apenas coincidência que justamente no pior grid de GP2/F2 desde 2005 tenha acontecido um acidente fatal envolvendo pilotos que não estão prontos, sendo um deles o próprio Juan Manuel Correa, hoje hospitalizado e que já vinha sido criticado por incidentes anteriores. Desde o brasileiro Marco Campos, em 1995, que isso não acontecia.

O mais irônico é que a vítima não entra nesse grupo dos "ruins". O francês Hubert chegou a F2 como campeão da GP3 e, em virtude disso, foi contratado para a academia da Renault. Não sei se um dia iria a F1, mas era um caminho interessante, tal qual o chinês Zhou na escuderia francesa.

O preço final dessa conta toda é a chegada de pilotos que não têm condição alguma de estar nas grandes categorias do automobilismo e só estão lá basicamente pelos motivos já citados de dinheiro-patrocínio-sobrenome. O preço é uma família enlutada. Com a evolução da segurança, muitos pilotos se comportam como psicopatas, como se estivessem no iRacing ou no F1 da Codemasters, acelerando sem medir as consequências. Imagina se esses caras chegam na F1?

O automobilismo deveria tentar mudar esse ciclo não só para salvar as raras vidas que se vão e sempre nos deixam um recado, mas também para evitar a proliferação do que está acontecendo nas categorias de base, até porque em pouco tempo esses caras vão subir. O preço seria um espetáculo melhor, o que geraria todo este fascínio que um piloto tem, de desafiar a morte e proporcionar atuações memoráveis para os fãs e o público.

Hashtags e mensagens de força e consternação são paliativos, sensibilidades com prazo de validade. É preciso agir para que outros não paguem um preço tão alto que o automobilismo e Anthoine Hubert pagaram.

Até.

segunda-feira, 2 de setembro de 2019

ERA PARA SER

Foto: Getty Images
Com apenas 21 anos, Charles Leclerc vive muitas emoções para alguém que é tão jovem. Enquanto trilhava o caminho do kart e os primeiros passos nos monopostos, perdeu repentinamente o grande amigo e um de seus maiores incentivadores, o francês Jules Bianchi. Com a naturalidade das coisas, teoricamente era para o francês estar na posição que o monegasco ocupa hoje. Leclerc corre por Bianchi e é uma extensão dele.

Em 2017, outro duro golpe: o falecimento do pai, vítima de câncer. Meses depois, foi confirmado em um das posições de maior prestígio existente no imaginário popular: piloto da Ferrari. Monegasco, com apenas 21 anos, quebrando uma escrita dos italianos, relutantes em apostar nas promessas.

Logo na segunda etapa como ferrarista, a primeira pole para tirar a pressão. Tudo se encaminhava para uma vitória consagradora, mas um problema no motor impediu isso. Uma crueldade.

Na Áustria, o mesmo roteiro. Depois de alguma instabilidade e um erro no treino em Baku, rapidamente Leclerc tinha a chance de vencer. Sem motor problemático e liderando de ponta a ponta. Nada poderia dar errado até Max Verstappen o empurrar para a área de escape, não ser punido e vencer. Outro duro golpe para quem constantemente era escudeiro de Vettel e via uma Ferrari muito instável, desperdiçando raras oportunidades de vitória com estratégias equivocadas e um intenso problema dos pneus se desgastarem muito rápido.

No retorno das férias, a terceira pole e sete décimos para a concorrência. Com sobras. A terceira chance.

Além do pai, Hervé, e de Jules Bianchi, outros grandes contatos de Charles na vida e no automobilismo é o chamado "Os Quatro Mosqueteiros": ele, Pierre Gasly, Esteban Ocon e Anthoine Hubert. Três franceses e o monegasco, que corriam, conviviam e chegavam até a morar juntos.

Foto: Getty Images
O acidente fatal do amigo, justo depois de mais uma pole, é mais um baque emocional em Charles, tão jovem e tão acostumado a lidar com as adversidades da pista. Um jovem morrer fazendo o que gosta em algo que notabiliza pela constante evolução da segurança é chocante para todos nós que não pegamos a época onde "morria um por corrida", como diz meu pai. Um quê de triste coincidência poderia ser o chavão: vai ter que ser por ele.

Corrida controlada o tempo todo. O mesmo cenário de Bahrein e Áustria. Os acontecimentos recentes provaram que, realmente, "a corrida acaba só quando ela termina". Eis que, nas voltas finais, Hamilton, rendendo mais com os médios e desgastando menos os pneus, começa a se aproximar. O tetracampeão Vettel, renegado a escudeiro de luxo, o atrapalhou por algumas voltas até finalmente ser ultrapassado. Estava aberta a caça. Hamilton venceria de novo nas voltas finais? Leclerc perderia de novo nas voltas finais? Justo neste final de semana?

Lewis já estava a menos de um segundo, contornando o segundo setor, onde a Mercedes sobrava. O diferencial dos vermelhos era o mais potente motor ferrarista, que os mantinha na frente. Quando Hamilton poderia se aproximar para usar a asa e tentar o bote final, uma bandeira amarela e mais barreiras de pneus acertadas. Giovinazzi, que fazia a melhor corrida do ano, desperdiça mais uma chance e bate. Todo mundo precisa diminuir a velocidade. Quando iria abrir a última volta, uma crueldade acontece com Norris: o motor de sua McLaren estoura. Se isso acontecesse antes, poderia ser ultrapassado como retardatário pelo líder e chegar nos pontos. Gasly, reestreando na Toro Rosso, se beneficia disso e ganha dois pontos que não conseguiria em condições normais, onde foi superado por Kvyat em mais uma bela atuação do russo em seu grande momento da carreira, no sétimo lugar.

Era para ser. Leclerc vence a primeira na carreira. Por Hervé. Por Bianchi. Por Hubert. Pela Ferrari. A homenagem para o amigo e para tantos outros que partiram tão cedo em sua trajetória. Era para ser. Há o copo meio vazio também. A primeira vitória é justa em Spa, onde os carros não fazem aquela "volta da vitória" onde extravazam e acenam para o público. Rapidamente Bianchi vai para os boxes. Ele está muito feliz, mas não pode comemorar muito porque a vitória vem justo quando perde um amigo na véspera. Era para ser. Tão bonito e tão emocionante ao mesmo tempo. O tal do destino é caprichoso.

Foto: Getty Images
Bottas chegou em terceiro e o escudeiro Vettel em quarto. Alexander Albon, o estreante da Red Bull, fez uma corrida F1 típica no que fazia na F2: largando com pneu médio, foi conservando os pneus para no stint final, mais macio, atropelasse todo mundo. Contou com a sorte de Norris ficar fora mas mostrou arrojo para ultrapassar Pérez passando pela grama na última volta. Só hoje já fez mais que Gasly no ano.

Verstappen foi aquele Verstappen do ano passado. Até então impecável, ele largou mal de novo e tentou recuperar tudo na primeira curva. Tocou em Raikkonen, que quase capotou, e com o carro sem condições, foi se arrastando até ser tocado pelo finlandês e bater na Eau Rouge. Justo um dia depois do que aconteceu (e farei um post sobre isso amanhã), Max mostra que não se decide tudo na largada, que tem carro para recuperar as posições, especialmente diante da Alfa Romeo, que teve a corrida arruinada.

Os outros beneficiados pelos abandonos da última volta foram Hulkenberg, que achou um oitavo lugar, e Stroll, com um pontinho. Inexplicáveis as estratégias de Ricciardo e Magnussen, que praticamente andaram a corrida toda com os macios e foram sendo ultrapassados por todo mundo volta a volta. Que ano constrangedor da Renault, cada vez mais perdida. A Haas então...

Em um contexto que pode ser utilizado para quase tudo, hoje a vitória de Leclerc, a batida de Verstappen e os abandonos de Norris e Giovinazzi eram para ser. Com crueldade para uns, sorte para outros. E assim a F1 segue em um final de semana mais emocional desde a morte de Jules ou até mesmo Ímola. Era para ser.

Confira a classificação final do GP da Bélgica:


Até!