terça-feira, 3 de setembro de 2019

O PREÇO

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Os três primeiros colocados do ano passado foram para a Fórmula 1: George Russell, Alexander Albon e Lando Norris. A F2 voltava a cumprir com o seu papel de revelar talentos e ser o "último estágio" antes da Fórmula 1, embora não seja uma prática incomum muitos pilotos pularem direto da F3/GP3, casos de Kvyat, Bottas e Max Verstappen. Alguns anos atrás, os campeões eram ignorados, como Fabio Leimer, Davide Valsecchi e mais recentemente tivemos Stoffel Vandoorne, Jolyon Palmer e Charles Leclerc.

Com uma saída de três grandes talentos, seria natural que o grid perdesse qualidade. Outros pilotos, vendo que é inútil ficar dando voltas na F2 sem perspectiva para a F1, se mandam para a Fórmula E. Quase foi o caminho de Alexander Albon, se não fosse a saída de Ricciardo para a Renault e o efeito dominó que isso causou.

O automobilismo moderno virou um clubinho. Claro que sempre teve os ricos que compravam tudo, seja pelo dinheiro, pelo sobrenome ou por alguém lavasse dinheiro ali sem se importar com nada. No entanto, os custos aumentaram. Não há mais equipes, as vagas ficaram mais escassas. A "seleção natural" diminuiu.

Hoje, para se tornar um piloto que chega na F1, é necessário três e somente três coisas: dinheiro, academia de pilotos e sobrenome. Se analisar o grid, os únicos que não encaixam nesse perfil são Kubica (que traz dinheiro sim, mas é uma outra questão) e Raikkonen (que também é de uma geração mais anterior ainda). O resto chegou por algum dos três meios.

Sem o dinheiro e a possibilidade de mostrar o talento natural e aprimorar outras habilidades, o automobilismo está cada vez mais resumido em filhos de pilotos, apadrinhados da academia tal desde os cinco anos e bilionários do Paquistão ou do Canadá que colocam o filhote lá e que, com todo o dinheiro para contratar os melhores profissionais e pilotar os melhores carros, fica impossível não conseguir resultados "consistentes" e que justifiquem uma contratação futura.

O que eu quero dizer? Com menos talento natural e a prioridade cada vez mais por outras circunstâncias (o automobilismo é caro, não existe mais o apoio das empresas tabagistas e é necessário fechar as contas), a qualidade do grid diminui. Se a qualidade do grid diminui, a possibilidade de barbeiragens e má pilotagens é muito maior.

Vamos pegar o grid da Fórmula 2 desta temporada. Teoricamente, como o próprio nome diz, deveriam estar os 20 pilotos mais "próximos" da F1, os que ainda precisam dos últimos aprimoramentos ou de um título para efetivamente serem promovidos. Sem Russell, Gasly e Norris, temos a seguinte situação.

As permanências de De Vries (piloto McLaren, com 24 anos), Nicholas Latifi (com muito dinheiro, o canadense também já está lá há algum tempo), Sérgio Sette Câmara (ex-Red Bull e hoje reserva da McLaren), Matsushita (ligado a Honda), Nikita Mazepin (muito dinheiro da Rússia e ligado a Renault), Sean Gelael (muito dinheiro da Indonésia) e Luca Ghiotto (piloto Ferrari). Razoáveis ou bons pilotos que só estarão na F1 por algum fator circunstancial.

Nesta temporada, ainda tivemos a entrada de diversos pilotos que estavam na antiga GP3, hoje F3, alguns deles: Dorian Boccolacci, Arjun Maini, Callum Ilott, Jack Aitken, Giuliano Alesi, Juan Manuel Correa, Tatiana Calderón, Ralph Boschung, Juan Manuel Correa e o campeão do ano passado, Anthoine Hubert.

Temos também a "cota dos sobrenomes", que tem o já citado Alesi, Louis Delétraz e o mais famoso, Mick Schumacher. Para completar, o caso mais emblemático: o indiano Mahaaver Raghunathan, quase obscuro, bancado por algum indiano que não tem amor ao dinheiro. Já foi suspenso de uma corrida por má pilotagem e em Spa atingiu outra punição. Vai ficar fora de Monza.

Juntando todos esses pilotos ruins e razoáveis, sobram poucos bons valores, como o chinês Zhou, por exemplo. Isso, somado a debandada dos três do ano passado, formou o pior grid da F2 em todos os tempos. Consequência, é claro, dos custos do automobilismo e da quase imbatível tríade dinheiro-academia-sobrenome. Isso, é bom frisar, no "último estágio" antes da Fórmula 1.

Calderón só está lá porque é mulher e o indiano é um outro escândalo. Outros nomes não têm qualidade para estar ali. O resultado são inúmeras barbeiragens e erros de pilotagens. Poucos são os bons valores. De Vries, o provável campeão, deve rumar para F-E. Sérgio Sette Câmara e Zhou, a princípio, seriam os grandes talentos que continuariam, sem contar com o endinheirado Latifi e o midiático Mick.

A morte de Hubert é uma fatalidade e/ou um azar, mas há um porém. Não pode ter sido apenas coincidência que justamente no pior grid de GP2/F2 desde 2005 tenha acontecido um acidente fatal envolvendo pilotos que não estão prontos, sendo um deles o próprio Juan Manuel Correa, hoje hospitalizado e que já vinha sido criticado por incidentes anteriores. Desde o brasileiro Marco Campos, em 1995, que isso não acontecia.

O mais irônico é que a vítima não entra nesse grupo dos "ruins". O francês Hubert chegou a F2 como campeão da GP3 e, em virtude disso, foi contratado para a academia da Renault. Não sei se um dia iria a F1, mas era um caminho interessante, tal qual o chinês Zhou na escuderia francesa.

O preço final dessa conta toda é a chegada de pilotos que não têm condição alguma de estar nas grandes categorias do automobilismo e só estão lá basicamente pelos motivos já citados de dinheiro-patrocínio-sobrenome. O preço é uma família enlutada. Com a evolução da segurança, muitos pilotos se comportam como psicopatas, como se estivessem no iRacing ou no F1 da Codemasters, acelerando sem medir as consequências. Imagina se esses caras chegam na F1?

O automobilismo deveria tentar mudar esse ciclo não só para salvar as raras vidas que se vão e sempre nos deixam um recado, mas também para evitar a proliferação do que está acontecendo nas categorias de base, até porque em pouco tempo esses caras vão subir. O preço seria um espetáculo melhor, o que geraria todo este fascínio que um piloto tem, de desafiar a morte e proporcionar atuações memoráveis para os fãs e o público.

Hashtags e mensagens de força e consternação são paliativos, sensibilidades com prazo de validade. É preciso agir para que outros não paguem um preço tão alto que o automobilismo e Anthoine Hubert pagaram.

Até.

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