terça-feira, 3 de dezembro de 2019

O BONDE PASSOU

Foto: Divulgação/Renault
Na vida, existem janelas de oportunidades muito curtas para nós aproveitarmos. Do contrário, fica a eterna sensação do "e se". Uma escolha e um alinhamento das estrelas pode determinar muitas coisas. Estar no lugar certo e na hora certa. No lado contrário, está a maioria que não teve ou não aproveitou essa pequena janela de oportunidades que mudam uma vida.

Nico Hulkenberg ficou dez temporadas quase ininterruptas na F1 (de 2009 até agora; ausente apenas em 2011). Isso não é um fracasso. Pelo contrário. Passou por duas equipes de grife (Williams e Renault), uma tradicional (Sauber) e uma que estava em ascensão e hoje pode-se considerar relativamente tradicional (Force India, atual Racing Point).

Tirando a Renault, em todas as outras Nico teve um desempenho acima da média, "andando além do carro", sendo aquele piloto que todos cravavam que "com um carro melhor, mostraria todo o potencial". O prenúncio disso foi a pole inesperada com a Williams logo na primeira temporada, há quase dez anos.

O jovem Nico. Foto: Getty Images
Mas parecia que desde os primórdios o destino avisava que iria pregar peças no jovem, pois ele não tinha contrato para a próxima temporada. E assim ficou, como piloto de testes da Force India. Que azar. Pois bem, de volta em 2012, outra vez no Brasil a sorte parecia sorrir para Nico. Uma segunda chance.

Decisão de campeonato, tensão no ar, tempo maluco. Uma combinação de fatores que fez Nico liderar com 40 segundos de vantagem em relação ao resto, até que um Safety Car embolou todo mundo. Tudo bem, ao menos ele está em primeiro. A pista seca e Nico roda. Cai para segundo. Sem problema, a Force India está bem na prova, mais veloz. É só passar Hamilton e retomar o controle. No S do Senna, o carro escorrega, o retardatário atrapalha e Hulk bate. Punido com um drive through, chega em quinto. É a sorte e o azar juntos, onde o segundo parece ser mais forte. Justo na hora H, Hulk exita, de novo.

Foto: Getty Images
Foi a grande chance da consagração, mas tudo bem. Hulk é um bom piloto, regular, sempre marca pontos e é o "melhor do resto". O pódio ou algo assim vai acontecer. Na Sauber, em 2013, viveu o melhor momento da carreira. A briga com Alonso e etc na Coreia é o ponto alto de sua trajetória na F1. Ali, muita gente quase que implorava um carro melhor para Nico. Mas o destino...

Hulk deve ter sido a grande vítima da entresafra e da contínua insistência da Ferrari em Massa e Raikkonen. Hulk sempre foi o ficha um para ser o próximo da lista, mas a chance nunca chegava. Com o passar do tempo, a regularidade continuava ali, mas sempre que o imponderável acontecia, não era Nico quem se destacava. Esse cara foi Sérgio Pérez.

O destino sempre foi e vem. Se na F1 não dava, a WEC veio e o salvou. Título nas 24 horas de Le Mans. A sorte sorriu, como bem escrevi em 2015. Poderia ser um indício dos dados virando para seu favor.

Mas, como sempre, o destino... a regularidade já não era mais a mesma. Pérez além de ser mais rápido, ainda aproveitava as chances de pódio. Nesse eterno vai e vem, a ida para a Renault foi até surpreendente. Hulkenberg, experiente e bom piloto, sendo líder de uma equipe de fábrica que buscava a reestruturação? Era bastante, talvez até demais. E foi a sua última chance, como "profetizada" aqui em 2016.

A toada seguia a mesma. Hulk despachou Palmer e Sainz. O carro não ajudava, mas a velha sina seguia. Nas raras chances de pódio, como em Baku ano passado e na Alemanha esse ano, Hulk errou e fraquejou, tal qual em Interlagos 2012. Foi definitivo. A chegada de Ricciardo para ser o líder dos franceses também foi um sinal. O tempo passa. Em uma F1 cada vez mais jovem, precoce e dependente das montadoras e magnatas obscuros, Hulk era um dos poucos que não trazia patrocínio, apenas talento. A falta de estrela, a idade e o desgaste fizeram perder o lugar para Esteban Ocon, que retorna.

A batida na Alemanha: o fim de Hulk na F1. Foto: Getty Images
Como Eminem disse em 'Sing For The Moment':

"É por isso que aproveitamos o momento, tentamos congelá-lo e possuí-lo; Apertar e segurar, porque consideramos esses minutos dourados".

A pole em Interlagos foi esse momento dourado, congelado na eternidade. No entanto, Nico não conseguiu aproveitar os outros momentos que lhe surgiram na F1.

O bonde passou e Hulkenberg não conseguiu entrar por inúmeros fatores, dele próprio e externos do destino, dos negócios e da política da F1. Com a idade chegando e o grid sem mais carros, talvez seja improvável que retorne. O que lhe resta? WEC, para ser campeão ou mais títulos de Le Mans? Fórmula E? Indy? Como todos sabemos, ser piloto é muito mais que ganhar e bater recordes na Fórmula 1, mas Hulk poderia ter sido mais do que foi. Ficaremos sempre com aquele "e se ele vencesse em Interlagos?" ou algo do tipo.

Talvez não fizesse tanta diferença, mas seria um sentimento muito melhor e eterno do que ver pilotos inferiores a ele como Sainz, Stroll, Magnussen, Gasly e Grosjean com pódios e ele não. É a vida. É o bonde.

Até.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Olá, esse é o espaço em que você pode comentar, sugerir e criticar, desde que seja construtivo. O espaço é aberto, mas mensagens ofensivas para outros comentaristas ou para o autor não serão toleradas.