Blog destinado para aqueles que gostam de automobilismo (principalmente F1), mas que não acompanham com tanta intensidade ou que não possuem muito entendimento do assunto. "Blog feito por um aprendiz para aprendizes."
A Liberty Media conseguiu em meia década o que Bernie Ecclestone falhou a vida inteira: fazer o público dos Estados Unidos se interessar pela F1. Com Miami estreando esse ano e Austin renovando até 2026, a F1 anunciou uma corrida noturna em Las Vegas a partir do ano que vem. A ideia é realizar no final do ano, no feriado de ação de graças nos EUA, no horário nobre americano (22h horário local, domingo de madrugada aqui no Brasil).
O circuito, obviamente, será de rua, o que está sendo uma tendência mundial, diante da inviabilidade de manter autódromos. Infelizmente. Com 25 corridas sob contrato, a F1 vai implantar o sistema de rodízio e uma corrida europeia ficará de fora. É impossível avançar no número de provas.
A prova será realizada perto dos cassinos e pontos turísticos icônicos de Las Vegas, aquela coisa de filme, livro e para quem teve a sorte de visitar lá. A diferença é que é uma iniciativa própria da F1 em bancar os custos e organizar tudo. A expectativa é que tudo se pague com os ingressos, contratos de publicidade, entre outros.
A F1 sempre tentou diversos circuitos de rua nas cidades americanas mas nenhuma pegou. O próprio estacionamento do Caesar's Palace fechou algumas temporadas, incluindo um dos títulos de Nelson Piquet. Como escrevi anteriormente, o que mudou nos últimos 30 anos?
O grande trunfo foi a mudança na gestão e a F1 entrando nos tempos atuais. Com a série na Netflix firme e forte na audiência e as publicações voltadas para o mundo virtual, o engajamento e o interesse de jovens aumentou bastante, principalmente também com a identificação destes com os pilotos, sobretudo a nova geração que tem Russell, Leclerc, Norris, entre outros. Tornar a F1 algo popular nunca foi o interesse de Bernie mas, graças a esses mecanismos do engajamento e do jogo digital, a F1 teve uma guinada na marca, e os Estados Unidos é um resultado evidente disso.
Austin teve 400 mil pessoas na última corrida, recorde absoluto de público em um final de semana da F1. A audiência da F1 nos EUA também está aumentando exponencialmente: na abertura da temporada, superou a abertura da Indy, por exemplo. Um mercado consumidor desse interessado e ativo é o sonho para qualquer empresa, ainda mais uma que também é americana.
É justo um país ter três corridas? Evidente que não. Duas pistas de rua mais as outras milhares de pistas noturnas e de rua fazem com que tudo seja a mesma coisa, quase uma Fórmula E com grife. Não é questão de purismo, mas sim de velocidade, risco, etc. No entanto, é também um discurso utópico. A propriedade é ganhar dinheiro e fechar as contas, sobretudo num mundo pós pandemia e com consequências ainda devastadoras em todos os âmbitos.
Que os enviados a Las Vegas consigam realizar o trabalho sem se deixar envolver com as armadilhas da cidade do pecado.
Na semana passada, a Comissão da Cidade de Miami votou por unanimidade a favor da realização de uma corrida de F1 na cidade. Já foi até divulgado um traçado, com características semelhantes a de Baku. Agora, a cidade, os promotores e a categoria têm até 1° de julho para formular um contrato e fechar o negócio, que teria 10 anos de duração e já estrearia na F1 em outubro do ano que vem.
Fazer a F1 pegar no território americano sempre foi um fetiche mal sucedido para a categoria. Bernie Ecclestone tentou de todas as maneiras, para rivalizar com as categorias locais (Indy - CART/IRL e Nascar), mas não emplacou. Para piorar a situação, a imagem da F1 ficou ruim de vez depois do escândalo da famosa "corrida de seis carros", em Indianápolis 2005.
O desejo constante de atrair o mercado americano não é novidade. Caso o GP de Miami saia do papel, a F1 voltaria a ter duas corridas em solo estadunidense pela primeira vez em 35 anos (a última vez foi 1984, com as etapas de Detroit e Dallas). A Liberty, americana e metida a moderninha, vai tentar capitalizar e fazer o que Bernie foi incapaz de conseguir. O traçado preliminar é bem modorrento. Talvez seja o futuro do automobilismo correr em circuitos de rua em grandes metrópoles, pois novos autódromos são cada vez mais raros e os antigos possuem um custo enorme, com boa possibilidade de inexistir em um futuro não muito distante.
Possível traçado do GP de Miami. Foto: Reprodução
A F1 e os Estados Unidos já viveram extremos. Se no início as 500 Milhas de Indianápolis chegavam a fazer parte do calendário apesar de não ser uma etapa oficial (apenas para tornar a categoria um evento mundial), dos anos 1960 até os 1980 tinham de duas a três etapas anuais no circo. Nos anos 1990, no entanto, a F1 chegou a ficar quase uma década ausente nas terras do Tio Sam, retornando somente em 2000, em Indianápolis, ficando mais quatro anos ausente (2008-2011) até a chegada da corrida realizada no Circuito das Américas, em Austin.
Abaixo, todos os circuitos americanos que a F1 já passou (exceção das 500 Milhas, claro):
SEBRING (1959)
Foto: Wikipédia
A primeira vez dos Estados Unidos como um GP oficial da F1 foi em dezembro de 1959, no circuito de Sebring, na última etapa da temporada. O vencedor foi um jovem Bruce McLaren, que herdou a vitória na última volta após o carro de Jack Brabham ficar sem combustível. Mesmo assim, empurrando o carro, Brabham chegou em quarto e garantiu seu primeiro título mundial. O evento não fez grande sucesso, o que forçou os organizadores a mudarem de destino para o ano seguinte.
RIVERSIDE (1960)
Foto: Pinterest
Sem divulgação promocional e com o campeonato decidido (o que fez vários carros não aparecerem, incluindo a Ferrari) o circuito de Riverside recebeu a F1 pela primeira e única vez em 1960. A vitória foi de Stirling Moss, pela Lotus. Com outro fracasso, lá foi os EUA procurar outro circuito que pudesse agradar os fãs e dar um bom retorno financeiro.
WATKINS GLEN (1961-1980)
Foto: ESPN
Foi o lugar nos EUA que mais recebeu a F1. Com o passar dos anos, o circuito foi se modificando, ficando mais lento, sobretudo depois de dois acidentes fatais consecutivos: o de François Cevert em 1973 e de Helmutt Koinigg em 1974. Watkins Glen é histórica para o automobilismo brasileiro porque foi lá, em 1970, que Emerson Fittipaldi venceu pela primeira vez na carreira (e, logicamente, a primeira vitória brasileira), o que deu o título póstumo para o parceiro de Lotus, Jochen Rindt. Com problemas financeiros, a pista saiu da F1 nos anos 1980.
LONG BEACH (1976-1983)
Foto: Auto Racing
Em 1976, ano da histórica disputa entre James Hunt e Niki Lauda, os Estados Unidos receberam duas etapas da F1 pela primeira vez. Além de Watkins Glen, o circuito de rua de Long Beach, na Califórnia, foi incorporado ao calendário, com a alcunha de Grande Prêmio do Oeste dos Estados Unidos. A ideia era transformar o evento em uma "Mônaco americana". Depois de oito provas, problemas financeiros e desentendimentos com Bernie Ecclestone, Long Beach saiu do calendário a partir de 1984. Também é um circuito histórico para o automobilismo brasileiro, pois foi lá que Nelson Piquet venceu pela primeira vez na carreira, com a Brabham, em 1980.
LAS VEGAS (1981-1982)
Foto: Pinterest
Com a saída de Watkins Glen em 1980, foi montado um circuito no estacionamento do hotel Caesar's Palace, realizando-se, assim, o GP de Las Vegas. Com um traçado ruim, um calor insuportável do deserto de Nevada e pouco público mesmo com a disputa de dois títulos (o de Piquet e de Keke Rosberg), o GP saiu do calendário rapidamente sem deixar saudades.
DETROIT (1982-1988)
Foto: Getty Images
Em 1982, um fato histórico: pela primeira (e única) vez, um país sediou três etapas em uma temporada: Long Beach, Las Vegas e o novo Grande Prêmio de Detroit. A capital do automóvel não poderia ficar de fora do circo. Os problemas eram os mesmos das outras pistas: traçado lento e chato, além da baixa aderência da pista. Apesar das reclamações, foram realizadas oito corridas por lá, com quatro vitórias brasileiras: uma de Nelson Piquet (1984) e três de Ayrton Senna (1986, 1987 e 1988), sendo a mais icônica a de 1986, quando Senna começou um ritual que virou marca registrada: agitar a bandeira brasileira após a bandeirada. A corrida foi realizada no dia seguinte a eliminação do Brasil na Copa do Mundo, diante da França, nos pênaltis.
DALLAS (1984)
Foto: Flickr
Um das corridas mais bisonhas da F1. 1984 foi a última vez que os EUA recebeu duas provas. Sem Watkins Glen e Las Vegas, foi realizada pela primeira (e única) vez o Grande Prêmio de Dallas. Com o calor de 40°C (e de 65°C na pista), o asfalto se partia com o passar dos carros. Diante disso, a corrida teve uma série de abandonos e a quebra da Lotus de Nigel Mansell, que desmaiou. Keke Rosberg, que correu com uma bolsa de gelo no capacete para tentar suportar o calor, venceu a prova, que nunca mais chegou perto de ter acontecido na F1 outra vez.
PHOENIX (1989-1991)
Foto: Getty Images
Depois de nove anos, a F1 voltava a ser realizada oficialmente sob o nome de GP dos EUA. Outra vez, um circuito de rua chocho e sem apelo local nenhum. Phoenix recebeu a categoria apenas três vezes, onde teve duas vitórias de Senna (1990 e 1991) e uma de Prost (1989). O grande destaque foi o pega do tricampeão com o então estreante na categoria, um certo Jean Alesi, em 1990.
INDIANÁPOLIS (2000-2007)
Foto: Getty Images
Depois de mais um fracasso, a F1 ficou quase uma década sem desembarcar na terra do Tio Sam. O retorno foi em 2000, no circuito misto em Indianápolis, logo na penúltima etapa do campeonato disputado entre Mika Hakkinen e Michael Schumacher. Fatos que podem ser destacados: A última vitória da carreira de Hakkinen em 2001, o "troco" de Rubinho em Schumacher em 2002, os dois graves acidentes de Ralf Schumacher no mesmo lugar (2004 e 2005), o que causou a vergonhosa corrida de seis carros e a primeira vitória da carreira de Lewis Hamilton em 2007. O fato ocorrido em 2005 praticamente acabou com a pouca popularidade que a F1 tinha nos EUA e o contrato não foi renovado.
A categoria só retornou para lá depois de cinco anos, em 2012, para a disputa em Austin, que segue até hoje no calendário. Será que o tal GP de Miami vai quebrar essa maldição americana ou será mais do mesmo?