segunda-feira, 15 de novembro de 2021

O QUE BERNIE NÃO SABIA (A F1 FORA DA BOLHA)

 

Foto: Mercedes

Durante décadas de administração de Bernie Ecclestone, o eterno chefão transformou a categoria e é o grande responsável pelo que a F1 é hoje. Não é exagero afirmar que Bernie é tão ou mais importante que os grandes pilotos da história, como Michael Schumacher, Ayrton Senna, Alain Prost, Niki Lauda, Juan Manuel Fangio, Jim Clark, Emerson Fittipaldi, Nelson Piquet, Nigel Mansell, entre outros.

A mão de ferro era administrada com uma única perspectiva: o dinheiro acima de tudo. Bernie nunca escondeu o  que gostava: para ele, a F1 era pra homens ricos acima de 30 anos, de preferência entre 50 e 60, que pudessem comprar e usufruir do luxo que é um final de semana da F1. Um evento único.

Não a toa, Bernie nunca teve problemas em correr na África do Sul durante o Apartheid e o boicote que houve ao país africano. Dinheiro acima de tudo e maquiagem nas questões raciais. A F1 delimitava o público.

Claro que o carisma sempre contou. Antigamente, a F1 era um evento (e continua, claro) que mostra o que há de mais moderno no esporte a motor. Como os carros eram novidades, ver um bólido a 300 km/h era uma sensação de perigo e respeito, porque a qualquer momento um piloto poderia morrer. Arriscar a vida em curvas, retas e chuva fazia parte do cartaz do que era ser piloto e o público comprava esse fascínio pela velocidade, tecnologia, o ronco dos motores e o perigo à 300 km/h.

Mesmo com as mortes e, claro, a perícia dos pilotos, o desenvolvimento tecnológico da categoria e também nas relações brecou essa parte romântica, digamos. Menos carros quebrando, menos disputas pelas vitórias e campeonatos e pilotos cada vez mostrando menos a personalidade, a F1 virou um clube de ricos parado no tempo enquanto a vida, a tecnologia e a sociedade seguiam em frente.

E por isso Bernie ficou para trás, além da idade. A Liberty Media, com muita experiência no showbiz americano, onde cada evento é um espetáculo à la NBA, entendeu que precisava de mudanças. Algumas são superficiais, é claro, e ainda não teve um grande impacto na competitividade e no ecossistema da categoria, mas o texto de hoje não é sobre isso.

A Liberty Media focou no que hoje chamamos de engajamento, sobretudo do público marginalizado por décadas pela própria administração da categoria: mulheres, negros e jovens se sentiam cada vez mais conectados com a sisuda, rica e anticarismática Fórmula 1. Como?

A série da Netflix, que confesso nunca ter assistido, alavancou a popularidade da categoria entre os mais jovens que sequer conheciam a categoria, mostrando o outro lado dos pilotos, que também sabem trabalhar a imagem pessoal nas redes sociais. Exemplos não faltam: Ricciardo, Sainz, Leclerc, Norris, Russell, além de pilotos, viraram influencers para muita gente. 

Não a toa que, depois de décadas passando vergonha e sendo ignorada na terra do Tio Sam, a americana Liberty Media finalmente consegue popularizar a categoria nos Estados Unidos, colocando Miami no mapa da F1 e não descartando uma terceira etapa no país no futuro. Nesse ano, em Austin, 400 mil pessoas acompanharam a corrida.

Outra obviedade nesse quesito é Lewis Hamilton: não só o campeão, o mais carismático, desde sempre popstar e super talentoso. A imagem do primeiro negro na categoria e depois multicampeão, com mais vitórias e poles e podendo ser o maior campeão isolado também ajudaram, mas principalmente o que Hamilton significa fora da pista: a luta pelos direitos das minorias, a luta antirracista e essa postura de quem não é somente um piloto muito talentoso, mas sim um cidadão que dentro do que pode fazer, quer contribuir com a F1 e a sociedade, trazendo mais negros, mulheres e LGBTs para as equipes e arquibancadas.

A identificação com o Brasil é antiga, pelo menos para quem é fã mais hardcore, mas o fenômeno que percebo na minha "bolha" é que, em 2021, a F1 passou dos hardcores, mesmo sem a transmissão da Globo: Netflix, Hamilton e uma temporada emocionante até o fim justificam isso, é claro. Nada mal para um esporte que ninguém vê e perdeu a graça em 1994.

Claro, Hamilton é o único no grid que é mais do que um piloto, é um superstar e um ativista. Saindo da bolha da F1, pouquíssimos pilotos seriam reconhecidos pela massa. Chutaria Verstappen, por ser o "inimigo" da vez de Hamilton, e os campeões Alonso, Raikkonen e Vettel que, mesmo sem ter redes sociais, se mostra tão engajado quanto Hamilton nas lutas humanitárias.

Talvez a F1 fora da bolha termine quando Hamilton se aposentar, afinal carisma não se transfere. A pessoa tem ou não tem. Ser mais do que um piloto ajuda tudo isso. Reverenciar Senna, que até hoje emociona a todos nós, também ajuda. Não basta ser apenas brasileiro para despertar paixões e ódios. Mesmo quando Massa foi quase campeão, não lembro de tamanha comoção fora do público hardcore. Não tinha tanto burburinho nas redes sociais, mas nas ruas não ouvia nada além do "por que tu ainda assiste isso?"

Bernie foi superado pelo tempo e, com um novo toque na categoria, a F1 conquista os Estados Unidos e se aproxima de um público que ainda tem certa resistência, mas que alguns já se encontram apaixonados. Agora, o desafio da Liberty é não tornar isso artificial demais, o like pelo like, o engajamento vazio. Mas isso eu deixo para outros textos, até porque adoro repetir essas coisas, mas hoje não.

É isso mesmo ou as vozes da minha cabeça criaram uma realidade paralela?

Até!

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