Foto: Autoweek |
Previamente, escrevi nos primeiros parágrafos desse texto que iria começar o ano escrevendo sobre a decadência da Williams, mas o anúncio havia demorado tanto que seria "forçado" a começar com esse. No entanto, os britânicos trataram de confirmar Sirotkin no dia seguinte, me fazendo perder alguns minutos escrevendo sobre linhas que a partir de então seriam inúteis.
Feito esse registro e sem inspiração para começar o texto de outra forma, vamos ao que interessa.
Daniel Sexton Gurney. Ou
simplesmente Dan Gurney. Nascido em Port Jefferson (Ohio) em 13 de abril de
1931, ele faleceu no último domingo (14) aos 86 anos, vítima de complicações
relacionadas a pneumonia. Qual a importância dele para o automobilismo?
Tentarei explicar.
Antes
da velocidade, Gurney serviu por dois anos no exército americano, atuando como
mecânico de artilharia durante a Guerra
das Coreias (1950-1953). Sua estreia no automobilismo ocorreu em 1957 quando
terminou em segundo a corrida inaugural de Riverside, superando estrelas
consolidadas da época como Masten Gregory e Phil Hill (campeão da F1 quatro
anos depois, em 1961).
A primeira corrida. Foto: Pinterest |
Gurney chamou a atenção de Luigi
Chinetti, importador americano da Ferrari, que deu um assento para o americano
em Le Mans no ano seguinte. Em parceria com o compatriota Bruce Kessler, a
Ferrari estava na quinta posição na classificação geral até Dan entregar a
direção para Bruce, que sofreu um acidente. Essa e outras performances
impressionantes lhe renderam um teste para ser piloto da Ferrari na F1, onde
fez sua temporada de estreia em 1959.
Nas
quatro corridas que disputou naquela temporada, acabou conseguindo dois pódios.
Em 1960, seis abandonos em sete corridas a bordo de um BRM. No Grande Prêmio da
Holanda, seu acidente mais grave: uma falha no sistema de freio lhe custou um
braço quebrado, a morte de um torcedor e
o início de uma longa relação de desconfiança com os engenheiros. O incidente
também causou uma mudança no seu modo de pilotar: a tendência em utilizar os
freios com maior prudência do que os outros pilotos significava que eles
duravam mais tempo, o que lhe ajudava em corridas de longa duração.
Gurney guiando a Testa Rossa em Goodwood, em 1959. Foto: Classic Cars |
Acidente na Holanda, em 1960. Foto: F1 History |
Gurney também era conhecido por
um estilo de condução fluido. Em raras ocasiões, quando o carro enfrentava
problemas mecânicos e sentiu que não havia nada a perder, Dan passava a adotar
um estilo mais arrojado e arriscado. Para muitos especialistas da época, eram nessas circunstâncias que o americano
apresentava o seu melhor desempenho nas pistas. Um exemplo disso foi quando um
pneu furado fez Gurney ficar duas voltas atrás do pelotão na etapa de Riverside
na Indy em 1967. Ele tirou a vantagem e venceu com uma ultrapassagem na última
volta contra Bobby Unser.
Foto: Pinterest |
Com novas regras entrando em
vigor para a temporada de 1961, Gurney e Jo Bonnier foram companheiros de
equipe na primeira temporada da Porsche na F1, chegando três vezes na segunda
posição. Dan quase venceu a corrida de Reims, mas sua relutância em bloquear
Giancarlo Baghetti (piloto da Ferrari) permitiu que o italiano o ultrapassasse
poucos metros antes da linha de chegada.
No
ano seguinte, com uma Porsche melhorada (motor de 8 cilindros), Gurney venceu
pela primeira vez na F1, no Grande Prêmio da França, disputado em
Rouen-Les-Essarts, a única vitória da montadora na história da categoria. Uma
semana depois, ele venceu novamente em uma corrida fora de temporada na casa
dos alemães, em Stuttgart. Foi a última temporada da Porsche na categoria. Foi
na equipe alemã que Dan conheceu Evi Butz, executiva de relações públicas da
montadora. Eles se casaram anos depois.
O único a vencer pela Porsche na F1. Foto: Getty Images |
Dan também foi o primeiro piloto
contratado por Jack Brabham para correr com ele pela Brabham Racing
Organisation. Enquanto Jack foi o responsável pela primeira vitória de seu
carro em uma corrida que não valia para o campeonato, coube a Gurney a honra de
ser o primeiro a vencer pela Brabham em uma etapa válida para o Mundial em 1964,
outra vez em Rouen. Ao todo, Gurvey venceu duas vezes (as duas em 1964) e
conquistou 10 pódios (sendo cinco consecutivos em 1965) pela Brabham antes de
deixar a escuderia e começar a sua própria equipe. Com a vitória no Grande
Prêmio da Bélgica de 1967, Gurney foi o primeiro piloto da história a vencer
por três equipes diferentes: Porsche, Brabham e a All-American Racers, de sua
propriedade.
Vitória de novo em Rouen, em 1964. Foto: Flat Out |
A
popularidade de Gurney fez com que a revista americana Car and Driver
promovesse a ideia dele concorrer à presidência dos EUA em 1964. A “campanha”
foi abortada quando se “descobriu” que Gurney era jovem demais para se
candidatar a presidente (tinha 33 anos na época). Entretanto, amigos e fãs
ressuscitavam essa ideia a cada quatro anos como brincadeira.
Foto: All American Racers |
Adesivo da "campanha". Foto: All American Racers |
Dan
desenvolveu uma moto chamada “Alligator”, que tinha o assento em uma posição
extremamente baixa. Enquanto ele não conseguiu o objetivo de obter o
design licenciado para a fabricação e
venda por um fabricante importante de motos, a produção inicial de 36 unidades
rapidamente esgotou. Hoje, são itens premiados de colecionadores.
Foto: OddBike |
O pioneirismo de Dan Gurney
consiste em ser o primeiro piloto da história a vencer na F1 (4 vezes), na
Nascar (1963) e na Fórmula Indy (1967). Além disso, Gurney venceu as 24 Horas
de Le Mans junto com A.J. Foyt. Não bastasse mais uma vitória em corridas de
longa duração (havia vencido as 12 Horas de Sebring em 1959), um gesto do
americano entrou para a história.
O segundo a vencer com seu próprio carro. Bélgica, 1967
A vitória em Le Mans, com a parceria de A.J. Foyt. Foto: Pinterest |
Tal
qual Bellini, capitão do primeiro título mundial da Seleção Brasileira em 1958
que foi o primeiro a erguer a taça como comemoração, Dan Gurney foi o primeiro
piloto a estourar o champanhe no pódio. Um gesto simples e banal que, todos
sabemos, virou costume do automobilismo.
Além disso, durante sua passagem pela Indy, Dan foi o primeiro a colocar uma simples
extensão de ângulo reto sobre a borda direita superior da asa traseira. O
dispositivo, nomeado Gurney flap, aumenta a pressão aerodinâmica e, se bem
projetado, impõe apenas um aumento na aerodinâmica.
Um gesto para a história. Foto: Marshall Pruett |
Finalizando
a série de pioneirismo, Dan foi o primeiro piloto a utilizar um capacete
cobrindo toda a face nas corridas de Grande Prêmio, na etapa da Alemanha do
mundial de F1 de 1968.
Foto: F1 History |
Excetuando
as 500 Milhas de Indianápolis disputadas entre 1950 e 1960 e que faziam parte do
calendário da F1, Gurney é o segundo americano com mais vitórias na categoria,
perdendo apenas para o campeão mundial de 1978 Mario Andretti. No entanto, Dan
é o americano com mais pódios (19).
Foto: Motor.es |
Pequenos
gestos e conquistas que eternizaram Dan Gurvey na história do automobilismo
mundial. Um verdadeiro racer, cujo legado é enorme. Sua história e paixão pela
velocidade inspiram milhares de jovens pilotos, que nunca se esquecerão de
Gurney, mesmo sem saber quem ele é. Basta estourar a champanhe no pódio.