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Foto: Getty Images |
Desde a aposentadoria de Felipe Massa, em 2017, a F1 ficou
sem brasileiros na categoria. Algo inédito para um país com oito títulos
mundiais. O recado estava claro: o automobilismo de base enfrentava problemas.
O principal e mais óbvio deles, o dinheiro. Mas e o talento?
Desde então, as discussões seriam sobre quem iria pegar a
tocha. O próprio Massa aposta em Caio Collet, hoje na academia da
Alpine/Renault, como o próximo representante do país na F1. Vale ressaltar que
Collet e Massa são empresariados por Nicholas Todt, influente, mas não sei se a
opinião do Massa é deveras enviesada por esse fator. Enfim...
Outros candidatos surgiram: Sérgio Sette Câmara, que ficou
anos na F2 e inclusive foi companheiro de equipe de Lando Norris na Carlin.
Primeiro, chegou a fazer parte da academia de pilotos da Red Bull, o que é
sempre importante. Fez testes esporádicos com a ainda Toro Rosso. Depois,
chegou a fazer parte da academia da McLaren, mas não vingou. Ficou pelo
caminho.
Outros candidatos naturais seriam os que possuem o sobrenome
e, consequentemente, alguma política e dinheiro. Pedro Piquet sobrou no Brasil
mas o choque de realidade na Europa foi grande. Não está mais no caminho.
Apadrinhado pela Shell, Gianluca Petecof foi inclusive apontado por Vettel como
um nome para ficar de olho. Ao sair da Ferrari, todavia, o brasileiro com nome
e sobrenome não tão brasileiro assim sentiu as dificuldades financeiras e
abandonou a F2.
No início do ano, todo mundo ficou em polvorosa com a
possível entrada do Pietro Fittipaldi no lugar de Mazepin na Haas, em virtude
dos desdobramentos da guerra entre Rússia e Ucrânia. Reserva do time americano,
por algum motivo o pessoal acreditou que o brasileiro seria escolhido. A
patriotada era válida, mas Pietro em nenhum momento justificaria a escolha. A
Haas escolheu o retorno de Magnussen e o Brasil, portanto, segue sem
alternativas viáveis no curto prazo para ter um piloto do país na F1, ainda
mais agora que só há dez times e todo aquele universo que canso de repetir:
sobrenomes, filhos de bilionários e academia de pilotos.
No meio dessa história, um desconhecido chegou na F2 fazendo
a pole na Áustria, em meio a pandemia. Seu nome? Felipe Drugovich Roncato.
Paranaense de Maringá, nasceu no dia 23 de maio de 2000. 22 anos, portanto.
Depois de competir no kart no Brasil, Drugo partiu para a
Europa. Em 2016, estreou na F4 alemã. No ano seguinte, também competiu na F4
italiana, na Euroformula, na Fórmula 3 Europeia e na MRF Challenge, onde ficou
em quarto na temporada. Na F4 alemã, foi o terceiro.
Em 2017 e 2018, ascensão e títulos na MRF Challenge, na
Euroformula e na F3 Espanhola. Em 2019, a subida para a F3, na Carlin Buzz
Racing, até o ponto onde estávamos na F2, na modesta MP Motorsport.
Desconhecido, Drugo teve uma boa temporada de estreia numa
equipe que não é das melhores na hierarquia da F2. Com duas vitórias na Sprint
Race e uma na Feature Race, além de outro pódio, Drugo terminou em oitavo na
tabela, com desempenho bom numa temporada onde geralmente a adaptação na
categoria é muito complicada. É claro que isso despertou a atenção dos
brasileiros. O salto parecia óbvio.
Na UNI Virtuosi, com Guanyu Zhou como companheiro de equipe,
a tendência era Drugo brigar por mais poles e vitórias, pois estava mais
ambientado e numa equipe melhor, apesar de enfrentar um duro adversário
interno. No entanto, o resultado não foi o mesmo. Apenas três pódios e menos
pontos do que na estreia. Drugovich perdeu valor e não confirmou a subida. Sem
o sobrenome ou um grande apoiador, parecia estar destinado ao flop, no que
tange a F1.
Na terceira temporada, acabou voltando para a MP. Sem
grandes expectativas. É claro que está mais experiente na categoria, o que é
uma vantagem considerável. Só lembrar dos casos recentes de Nyck de Vries e
Nicholas Latifi, por exemplo, que só engataram na categoria depois de alguns
bons anos. No entanto, isso também não quer dizer grande coisa. Geralmente os
bons já chegam e mostram resultados: George Russell, Charles Leclerc, Alexander
Albon, Lando Norris, Oscar Piastri...
Aproveitando da experiência e da maturidade, é inegável que
Drugo vem fazendo uma temporada majestosa até aqui. Está sobrando no campeonato
com uma MP, mais de 30 pontos de vantagem para o vice-líder Theo Pourchaire.
Vitórias, poles, recuperações, a correção de alguns defeitos como as largadas e
as disputas por posição. Se continuar nesse nível, são grandes as chances de
Drugovich ser o primeiro brasileiro campeão do atual formato da GP2/F2. O país
teve alguns nomes que bateram na trave: Nelsinho Piquet, Lucas Di Grassi, Luiz
Razia e Felipe Nasr.
Felipe Drugovich campeão da F2 nesse ano. O que isso
significaria, na prática?
Além do exercício de futurologia, precisamos de um contexto.
Ser campeão na terceira temporada na categoria não é algo muito chamativo para
as grandes equipes e academias, ainda mais considerando que temos apenas 20
vagas disponíveis. Se houvesse um ou mais times, a história poderia ser
diferente... mas não é.
Em entrevista para a Motorsport há algumas semanas, o
holandês Sander Dorsman, chefão da MP, falou que o caminho para o brasileiro
sonhar com a F1 é um só: que as empresas brasileiras apoiem Drugo. Felipe Nasr
só chegou na F1 graças ao apoio do Banco do Brasil. Com o texto da crise
financeira do país num contexto político do golpe de 2016, Nasr deixou a
categoria depois de dois anos na Sauber. Sem grana, sem vaga.
A questão é o retorno, o engajamento, o interesse, a
política. É tudo muito complexo. Em um país em crise, é difícil grandes
investimentos. É complicado. Muita gente não se interessaria em apostar em
Drugo numa equipe intermediária, onde a chance de grandes resultados é muito
pequena. Não teria grande retorno, não haveria engajamento que pagasse, apesar
do barulho da internet brasileira ser um termômetro interessante para o mundo
exterior.
O caminho mais fácil, no entanto, é de alguma academia de
pilotos, seja Mercedes, Red Bull, Ferrari, Williams ou Alpine. Com 22 anos e
sem aporte financeiro, Drugo pode ter chegado tarde demais, porém a esperança é
a última que morre. Se for campeão com sobras, pode ser que consiga algo como
piloto reserva ou de testes. É importante lembrar que o campeão da F2 não pode
estar no grid do ano seguinte. De toda forma, Drugo precisa pensar no que vai
fazer em 2023, considerando que o título da F2 é uma possibilidade muito
grande.
Sendo otimista e com as estrelas se alinhando, quais vagas
estariam em aberto? A Alpine está entre Piastri e Alonso. A Haas vai priorizar
alguém da Ferrari caso Mick saia. A Williams seria o único caminho viável,
visto que Latifi não deve permanecer. Alpha Tauri? Talvez se Gasly sair para a
McLaren, caso Ricciardo deixe o time de Woking...
É uma situação complexa e difícil, porém não inédita. Outros
campeões não chegaram perto de subir para a F2, como Davide Valsecchi, Fabio
Leimer, Nyck de Vries e o próprio Oscar Piastri não subiu imediatamente. E se
não der certo, como o panorama atual mostra?
Campeão da F2, Drugo sabe que o automobilismo é muito além
da F2 e as opções mais óbvias seriam tanto a Fórmula E quanto a Indy.
Aproveito o espaço para elogiar o excelente e surpreendente
início do Enzo Fittipaldi na temporada, depois de estrear na categoria no final
do ano passado. Com a fraca Charouz, está no top 10 da classificação. Pelo
sobrenome e pelos patrocinadores, Fitti tem mais chances de estar na F1 do que
o próprio Drugo, mesmo tendo saído da academia da Ferrari. Se continuar se
desenvolvendo, talvez seja a bola da vez, porque uniria talento, dinheiro e
sobrenome.
Se o sonho ainda é a Fórmula 1, como não pode deixar de ser,
a hora de Drugovich ir com tudo é agora. É continuar entregando grandes
resultados e se aproximar de um título inédito para o país e contar com o jogo
de cintura político, a visão de empresas interessadas e formar/aproveitar uma
conjuntura que favoreça Drugo a realizar o grande sonho. Apoio da torcida e dos
fãs é o que não falta. Que esse engajamento sensibilize empresas e bilionários
entediados dispostos a investir em um jovem talento. Sendo patriotas,
facilitaria tudo.
Mas cuidado: como escreveu Jorge Luis Borges, os sonhos não
devem durar mais de uma noite.
Até!