terça-feira, 8 de dezembro de 2020

OS PERIGOS DA SEGURANÇA

 

Foto: Getty Images

Ao mesmo tempo em que os carros de Fórmula 1 e os autódromos ficaram cada vez mais seguros e à prova de acidentes fatais, o automobilismo também passou a ser cada vez mais um esporte para jovens, que adentram nesse principal universo quando mal estão na vida adulta, apesar de já existir um grande lastro competitivo. 

Ao meu ver, essas duas coisas abriram caminho para algo muito perigoso: o surgimento de pilotos que, sem as consequências da morte e as sequelas de alguma lesão grave, não se preocupam minimamente com a própria segurança e, consequentemente, com a integridade dos outros pilotos.

Até os anos 1970 e 1980, o esporte a motor era coisa para gente experiente na vida, que estava ciente dos riscos que se colocava a cada corrida. Existia a noção que toda corrida poderia ser a última e que qualquer incidente, por menor que fosse, colocaria a todos em perigo. A morte estava a espreita, e a coragem e perícia desses homens é que faziam a diferença.

Com o advento de carros e autódromos mais seguros, as mortes ficaram mais raras, assim como os acidentes de grande consequência para a saúde dos pilotos. Consequentemente e inconscientemente, o esporte a motor deixou de ser algo tão perigoso e até fascinante para as massas. As pessoas chegavam a ficar uma geração inteira sem presenciar uma tragédia, algo impensável até então. O automobilismo não era mais algo perigoso.

E aí as coisas mudaram. Se antes existia um respeito e uma cautela maior justamente pelo medo da morte, a crença na segurança mudou a postura dos pilotos e fez surgir uma série de pessoas claramente incapazes de guiar um carro de corrida, seja por mau caratismo ou por problemas psicológicos (medo, ansiedade, etc). Se a chance de morrer é quase nula, então não precisamos de grandes cuidados, certo? Em 1990, Ayrton Senna jogou um carro diante de Alain Prost porque saberia que as chances disso ter uma grande consequência eram nulas.

As áreas de escape asfaltadas, grandes espaços e cada vez menos britas também contribuem para essa falta de cuidado. O piloto pode abusar do limite que o máximo que vai acontecer é perder um pouco de tempo na pista escapando, pois é cada vez mais raro atolar na brita ou perder tempo na grama. 

A morte de Anthoine Hubert, no ano passado, é uma junção dessas duas coisas: a imperícia dos pilotos inconsequentes e a área de escape asfaltada na Raidillon, onde antes era brita, na subida da Eau Rouge. Se no primeiro incidente ali houvesse brita, os carros iam frear instantaneamente ao invés de continuar acelerando e resultar no acidente em T que matou o francês.

Com o automobilismo mais seguro, surgiu esse monte de pilotos inconsequentes que antigamente jamais seriam aceitos em uma corrida ou então teriam se matado rapidamente. Apenas a experiência confere a um piloto a maturidade, a calma, a segurança e a prudência necessárias para o esporte. 

Nas últimas duas semanas, tivemos incidentes claros desses inconsequentes inaptos e mau caráteres que quase resultaram em tragédia: Romain Grosjean cometeu mais uma cagada e quase se matou. Hoje, qualquer filho de rico pode acelerar um carro à 300 km/h porque justamente não há mais temor ao perigo que é e sempre será o automobilismo.

Agora, na semana passada, a Haas substituiu um oligofrênico por um psicopata que simplesmente faz o que faz na maldade e só chegou onde chegou porque é riquinho. Nikita Mazepin. Brincando de zigue-zague como se estivesse no iRacing, simplesmente espremeu no muro Tsunoda e Drugovich para não ser ultrapassado e teve uma pena de "só" cinco segundos. Como punir quem está salvando uma equipe de F1 da falência? Agora vale tudo?

Esse é outro que antigamente já estaria morto ou jamais teria a chance de guiar por ser um completo inapto mau caráter. Essa foi a grande consequência da modernidade: pistas e carros seguros atraem jovens inconsequentes e sem qualquer condição mental ou de coordenação para guiar uma máquina que anda a 300 km/h.

Quando acontecem esses grandes acidentes, é muito fácil culpar o autódromo, a FIA, acabar com áreas de escape, mutilar traçados ou excluir circuitos do calendário. Difícil mesmo é bater de frente com as inúmeras consequências que a elitização do automobilismo causa, dentre elas estar acima do bem e do mal independentemente do que se faça na pista. 

É evidente que não se pode retroceder pelo nome do purismo ou da nostalgia, mas certamente se o automobilismo continuasse menos seguro, tenho convicção de que teríamos pilotos melhores e cientes da função que fazem, além de barrar os inconsequentes. Acidentes, erros e o risco sempre irão existir no automobilismo, isso só precisa ser lembrado e hoje, infelizmente, raramente isso é levado em consideração.

Até!

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