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quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

TEXTOS ESPECIAIS: "Aqui tem de tudo que é estilo e classe social"

Olá! O texto de hoje é uma entrevista. O resto vai estar descrito no texto. Tenham todos uma boa semana!

“Aqui tem de tudo que é estilo e classe social”

Ele é uma figura muito conhecida do bairro Azenha. Seu estabelecimento, o “André Cabelereiro”, localizado na rua 20 de Setembro, é um ponto de encontro para quem deseja conversar sobre quase tudo e qualquer tipo de assunto. A barbearia do simpático André Valim, 42 anos, morador de Viamão, reúne pessoas de diferentes idades e personalidades, e ele consegue se adaptar ao estilo da freguesia. Valim também falou sobre sua vida pessoal e deu seus pitacos sobre a sociedade atual. Confira:

Foto: Leonardo Sá
Há quanto tempo você tem esse estabelecimento?
– Eu tenho esse ponto há 18 anos (desde 1997). Trabalhava na barbearia do meu pai, na Carlos Barbosa, e decidi abrir meu próprio negócio.

Por quê?
–  Porque queria trabalhar sozinho e abrir meu próprio espaço, ser independente.

Você mora em Viamão. Por quê manter um estabelecimento em Porto Alegre ao invés de abrir uma barbearia em um local mais próximo?
– Já pensei nessa possibilidade. Entretanto, decidi permanecer aqui para não perder os clientes antigos. Muitos deles frequentavam a barbearia do meu pai e depois de um tempo vieram e viraram fregueses do meu estabelecimento.

Em termos de personalidade, seus clientes são muito diferentes uns dos outros? Qual é a sua relação com eles?
– Ah sim, existem “vários” tipos de clientes. Tem de tudo aqui: Os mais falantes, os mais quietos, de tudo que é estilo e classe social (Um dos seus clientes mais famosos é o comentarista de futebol Guerrinha). O último cliente, por exemplo (O “Japonês”). Ele nunca falou uma palavra sequer comigo. A primeira vez que ouvi a voz dele foi quando você perguntou sobre como ele sabia da existência do local. Por outro lado, alguns clientes acham estranho quando eu não puxo assunto. Muitos deles pedem que eu avise no celular quando o local está vazio para que venham sem ficar na fila de espera. Às vezes, eu envio, mas na maioria dos casos não tem como. Estou trabalhando, tenho que dar total atenção ao meu serviço e ao cliente.

Qual é a sua rotina de trabalho? Qual é o dia que tem mais movimento?
– Eu trabalho cinco dias por semana. Não abro no domingo e na segunda para resolver questões particulares, relacionadas a minha esposa e os meus dois filhos. Geralmente o dia que a barbearia fica mais cheia é no sábado, quando as pessoas aproveitam o final de semana para cortar o cabelo e a barba.

Quais são os seus hobbies quando não está no trabalho ou quando não há clientes no local?
– Aqui na barbearia, eu fico vendo TV. Adoro história e assistir documentários, principalmente os da Segunda Guerra Mundial. Também gosto de olhar filmes. E futebol, é claro. Assisto quase tudo, mastem uma coisa que eu detesto: fofoca de artista (risos).Também adoro ler, sou fissurado em livros.

Percebi. (Havia uma estante com três livros – Um de Nietzsche, a bíblia e um livro espírita). Quais são seus autores favoritos?
– Gosto muito de filosofia e de Nietzsche, mas leio de tudo. Sou muito fã de Nietzsche, comprei alguns livros dele num sebo aqui perto e viciei. Admiro os pensamentos dele... Sou muito aberto a novos autores e temáticas diferentes. Você viu na estante, estou lendo a bíblia e livros sobre espiritismo, mas me considero agnóstico. Esses dias eu vi um debate entre um evangélico e um espírita, me admirei muito com a argumentação do espírita. Não foi aquela coisa de apelar, gritar e essas baixarias, foi puro conhecimento. Estou admirado. Fico lendo aqui na barbearia e em casa, principalmente. Recentemente, terminei o livro “Capitão Philips” e “Símbolos”, do Dan Brown. Olhei algumas reportagens e artigos do Richard Dawkins, gostei muito. Certamente o próximo livro que eu vou ler será dele.

Algum outro hobby?
– Ah, eu adoro cozinhar. Sou uma pessoa muito caseira, gosto de ficar em casa com minha esposa e meus filhos, não sou muito de sair, só quando é necessário. Fico brincando com as crianças durante o dia e aproveito o tempo para fazer pratos mais elaborados. Um churrasco no domingo ou um jantar durante a semana. Uso bastante o forno à lenha que tenho em casa e convido meu irmão para comer com a gente. Gosto muito.

Você falou em uma das respostas sobre as mensagens de celular com os clientes. És assíduo nas redes sociais?
– Não tenho Facebook, nem WhatsApp e nem Twitter. Aliás, me incomodo muito com o Twitter. A pessoa vai lá e fica postando tudo o que faz, até quando vai no banheiro. Acho ridículo isso (risos). Minha esposa tem todas essas redes e fica me pressionando para abrir uma conta no Facebook. Não quero me envolver em problema. Um cliente, mulherengo, foi marcado em uma foto com outra mulher enquanto tinha relacionamento com uma outra. Nem preciso dizer que deu problema, né? Não quero confusão para o meu lado. Não tenho vontade de usar e não sinto falta. Minha esposa que fica o dia inteiro conectada (risos). Meu irmão já me disse: “Ainda bem que tu não tens essas redes, é muita confusão. Se puder, fique longe delas (risos). ”

Para encerrar: Em 18 anos, certamente deve ter acontecido um monte de fatos inusitados na barbearia. Poderia me contar alguma história engraçada que aconteceu aqui?
– Tem uma muito boa: Tinha um senhor que todo santo dia batia na porta e perguntava o preço do corte. E eu sempre respondia o mesmo valor, que deveria ser uns 15 ou 20 reais, não me lembro. E esse senhor sempre respondia: “Ah tá, vou lá pegar o dinheiro e já venho aqui, me aguarde! ” E eu esperava... E ele nunca vinha! (risos). Ele vinha para cá todo dia e sempre dizia isso, era folclórico. Mas, depois de um tempo, eu cansei. O homem veio e fez a pergunta de sempre: “Quanto custa o corte?”. E eu, dessa vez, respondi sem titubear: “80 reais!”. Ele tomou um susto e nunca mais voltou (risos).

quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

TEXTOS ESPECIAIS: O homem por trás da tradição

Buenas, pessoal! Primeiro post de 2016 chegando! Enfim, era para eu ter postado um texto na semana passada com alguns dizeres desejando um feliz ano novo e etc, entretanto acabei viajando em cima da hora no dia que está previsto a postagem (terça ou quarta, dependendo do ponto de vista), e então ficamos sem post.

Enfim, ficam os meus votos para vocês e vamos ao que interessa: O texto de hoje foi produzido na época do feriado de 20 de Setembro no Rio Grande do Sul, a Revolução Farroupilha. "Desvendei" quem foi o autor da ideia da criação do parque Harmonia e posteriormente do Acampamento Farroupilha, que tornou-se uma grande tradição entre os gaúchos nessa época do ano. E, acredite, não é algo tão antigo assim:

O HOMEM POR TRÁS DA TRADIÇÃO

Foto: Jornal NH
Que o Acampamento Farroupilha é uma tradição dos gaúchos e um sucesso de público todos nós já sabemos. A edição de 2015, encerrada no último domingo (20), contou com a presença de 1,2 milhão de pessoas no Parque Harmonia, segundo os organizadores. O que muitos não conhecem é a história do Acampamento, quem o idealizou e há quanto tempo existe (menos do que você pode imaginar).

A ideia de criar um local para atividades relacionadas as tradições gaúchas surgiu nos anos 1970 e é de autoria de Curt Zimmermann. Engenheiro agrônomo, passou sua adolescência morando nas proximidades da rua Barão do Amazonas, no bairro Glória, na época uma área com características rurais. Apesar de estar ligado as tradições, só passou a conhecer a fundo a cultura gauchesca e a história do Estado quando começou a falar com o tradicionalista Glaucus Saraiva, em 1971. No mesmo ano, foi convidado a coordenar a execução de um gramado no terreno que envolvia a construção do Galpão Crioulo do Palácio Piratini, idealizado e projetado por Glaucus:

– Conheci nesta ocasião este apaixonado e estudioso gaúcho, que explanava a importância da cultura à nossa tradição, frisando ser necessário que os habitantes desta terra tivessem mais informações sobre o assunto, pelo fato de nossos antepassados terem deixado fartos rastros de bravura, gravados neste solo, caracterizando a história de um povo guerreiro e defensor deste sul desta grandiosa nação – Contou.

Curt, engenheiro da divisão de parques e praças da Secretaria Municipal de Obras e Viação de Porto Alegre (Smov), concluiu a construção do Parque Marinha do Brasil em 1981. No mesmo ano, o secretário RenzoFrancischini pediu que Curt o acompanhasse para conhecer uma área que ficava em frente ao prédio da Smov, que ia da Avenida Ipiranga até a Usina do Gasômetro. Analisando a topografia, concluiu que era possível fazer o aterro para abrigar o novo parque. Ele recebeu todo o apoio com máquinas para fazer o trabalho e materiais da antiga CRT, CEEE e Brigada Militar, além da doação de telhas, capim santa fé, saibro e brita fina. Curt relatou: "A execução desta obra em tempo recorde, foi algo realmente surpreendente, pois não havia verba prevista no orçamento do município para a execução do parque da Harmonia. O aporte financeiro foi mínimo."

Surgia o Parque Porto dos Casais. Mais tarde, o nome foi modificado para a nomenclatura conhecida atualmente, o Parque da Harmonia, por sugestão do então vereador Glênio Peres. Ainda em 1981, o parque já acolhia seus primeiros frequentadores, que faziam churrascos nos quiosques aos finais de semana. O local foi inaugurado oficialmente no dia 4 de setembro de 1982, servindo de parada para os gaúchos que visitavam a Capital durante a Semana Farroupilha. Os frequentadores mais antigos faziam suas gauchadas bebendo e tocando gaita ponto e violão, principalmente nos finais de semana, quando o parque é bastante utilizado por famílias.

Pela obra, Curt Zimmermann recebeu uma placa alusiva do prefeito e foi homenageado com o título de cidadão emérito da Câmara de Vereadores. Ele é contra o uso do Acampamento como palanque político. "Ao cruzares esta porteira, pendura no cabide da humildade teus preconceitos, diferenças e rivalidades, mas, se ainda conservares algum orgulho, que este seja o de ser gaúcho", afirmou.

Nos primeiros anos, não existia exatamente um acampamento, e sim grupos de amigos ou piquetes que ficavam na área da “fazendinha”. Eles cavalgavam até o parque um ou dois dias antes do 20 de setembro e ficavam ali como se fosse uma pousada ou ponto de concentração. Em 1984, a “Fazendinha do Harmonia” passou a ser administrada pela extinta Epatur( empresa pública municipal, responsável pelo turismo na Capital) . Em 1987, o Harmonia recebeu o nome de Parque Maurício Sirotsky Sobrinho e foi realizado oficialmente o 1° Acampamento Farroupilha. Desde então, os acampamentos incorporam CTGs (Centros de Tradições Gaúchas) e DTGs, piquetes e entidades diretamente ligadas à cultura nativista gaúcha. Em 1990, passou a ser cobrado espaço para comércio, quando a entidade 1ª Região Tradicionalista assumiu a coordenação. Em 1997, foram substituídos pelo Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG).

Com o passar dos anos, o número de entidades acampadas no Parque Harmonia aumentou consideravelmente a ponto de ser construída uma praça de alimentação e pontos comerciais, em 2004. Em 2005, acontece a profissionalização da festa, sendo obrigatória a apresentação de projetos culturais por parte das entidades acampadas e contrapartida financeira de todas as organizações comerciais (bancos, redes de comunicação, etc).


Os tradicionalistas têm muito a agradecer Curt Zimmermann. Seu pioneirismo em construir um local para a difusão e concentração da cultura nativista gauchesca mostrou-se muito acertada. Tanto é verdade que todo ano o Acampamento Farroupilha é aguardado ansiosamente pelos gaúchos e “estrangeiros” que desejam conhecer um local recheado de tradições gaúchas na cultura, gastronomia e moda (por que não?). Que venha o Acampamento 2016 com muita costela de chão, vaneirão truco e bombacha.

Até o próximo post, pessoal!



terça-feira, 22 de dezembro de 2015

TEXTOS ESPECIAIS: A arquibancada pulsa, treme e respira

Eaí, pessoal! Vamos para o segundo texto da série de textos especiais que eu escrevi durante o semestre para a faculdade. Enquanto a F1 não vem, dessa vez o texto é sobre futebol e a experiência de acompanhar um jogo no estádio. Os detalhes do antes, durante e depois você acompanha agora! Lê aí! 
P.S: O texto é do dia 27 de outubro.

A ARQUIBANCADA PULSA, TREME E RESPIRA

Foto: Globoesporte.com
Um sábado de sol maravilhoso em Porto Alegre. É um alento. Muitos gaúchos ainda sofrem com os efeitos dos fortes temporais que alagaram e causaram (e ainda causam) transtornos nas moradias das cidades do Estado. Pois bem, parece que hoje o tempo está ótimo. O que fazer em Porto Alegre num sábado de tarde ensolarado? Ir para o jogo de futebol, é claro.

Com a primeira semana do horário de verão em vigor, o sol irradiava. Eram cinco e meia da tarde. O treino da Fórmula 1 estava sendo adiado (e posteriormente cancelado) em virtude dos temporais causados pelo Furacão Patrícia. “Vamos logo”, insistiu o pai. E fomos. Vesti a camisa do Inter e uma calça jeans. Coloquei dinheiro, identidade e carteira de sócio nos bolsos, além do celular e da chave. “Bote um casaco, vai esfriar de noite”, alertou o pai.

Não coloquei casaco nenhum. Estava quente e não ia ficar segurando para colocar só depois. “É frescura dele”, pensei, como sempre. Saímos a pé. Da Azenha até o Beira-Rio, a distância não é grande. Sempre que vou ao estádio, percorro o mesmo caminho. Botafogo, José de Alencar, uma rua que faz esquina com a Padre Cacique que eu não sei o nome e a avenida. Chegamos. Eu, meu pai e uma massa de colorados esperançosos por mais uma vitória de seu time. Durante o caminho, o de sempre: Flanelinhas fazendo de tudo para que os carros estacionem na rua ou em um estacionamento, vendedores comercializando cerveja e refrigerante no isopor, vários estabelecimentos no Parque Marinha do Brasil disputando ferozmente o espaço para a venda de churrasquinhos, cachorros-quentes e bebidas. Sem contar no clássico Tele-X, tradicional ponto de encontro dos torcedores para lanchar e “molhar a palavra” antes da partida (Saudade, MekAurio).

A primeira vez

Chegamos no Beira-Rio, subimos a rampa, passamos pelos stewards, passamos a carteirinha pela catraca e entramos. Estava escutando a rádio no fone de ouvido. Tudo sobre as informações do jogo, escalações, análises e palpites dos torcedores que também estavam nos arredores do estádio. Muita festa. O clima era feliz, alegre e confiante. O pai segurava o casaco com uma mão enquanto seu inseparável rádio de pilha estava na outra.  Ficamos na Superior, na fileira mais alta, com as pernas apertadas no banco da frente. Estávamos preparados para a batalha que se sucederia logo a seguir.

As informações chegavam a todo o vapor, via fone de ouvido. Até que escutei algo diferente: O clube disponibilizou ônibus para os desabrigados irem do Ginásio Tesourinha para a partida. Muitos colorados, que no momento estavam morando provisoriamente no Ginásio, estavam lá, nas arquibancadas. Um belo gesto do Inter. Para muitos, seria a primeira vez no Novo Beira-Rio, talvez a primeira vez em um estádio de futebol mesmo, contando o novo e o velho estádio do colorado.  Infelizmente, com os ingressos mais caros, uma boa camada da população não possui condições financeiras de ir a uma partida de futebol. O elitismo dos ingressos e as “Arenas modernas” segregaram e delimitaram o público que pode frequentar um estádio de futebol.  Isso, além das próprias dificuldades financeiras que a maioria dos desabrigados enfrentam, são fatores que ajudam a explicar o fato de que para a grande maioria deles seja a primeira experiência na “cancha”, acompanhando seu clube do coração.

Quantas histórias maravilhosas estão lá, esperando alguém para que sejam contadas e desvendadas? Quantos relatos distintos da “primeira vez” em um jogo de futebol podem ser descritos, seja pela perspectiva de um repórter ou a da pessoa envolvida, através de uma crônica como essa, por exemplo? Mais tarde, talvez, a criança ou até mesmo o adulto que viu o jogo pode contar as suas impressões e memórias de um dia tão especial. Durante 90 minutos, todas as dificuldades que essas pessoas passam e estão passando serão momentaneamente esquecidas, como se nunca existissem. Irão acompanhar o jogo, como se nada mais existisse e importasse. Eles irão se divertir e sentir sensações únicas. Não, o futebol “não é só um jogo”.

Cornetas e impaciência

Começa o jogo. Todo mundo animado. Qualquer jogada feita, seja ela certa ou errada, a torcida aplaude e incentiva. Passados alguns minutos, o Inter começa mal o jogo. Em uma saída de bola errada, quase que o colorado sofre o gol. A torcida xinga e se assusta com a possibilidade, mas tudo vira alívio, grito e aplauso quando o perigo é desfeito. Erros de passe. Irritação geral. “Tem que tirar esse cara, ele é muito ruim”, esbravejava um senhor do meu lado esquerdo. No direito, o pai. O juiz sempre é alvo. “Tá querendo aparecer”, “É um murrinha”, vaias e xingamentos inapropriados para o texto foram exclamados pelo torcedor, já impaciente com um empate chato e um jogo ruim. Intervalo. Alguns mais exaltados já vaiaram o time, enquanto outros aplaudiam, como se quisessem dizer “Fiquem calmos e apoiem o Inter”. 

Aos poucos, o público disperso nas cadeiras vai as dependências do estádio para ir ao banheiro e comprar lanches e bebidas. A raiva momentânea vai embora. No ouvido, a análise do primeiro tempo. O de sempre: A equipe não está bem, tem que melhorar, o treinador precisa mexer no segundo tempo, etc. É um momento de reflexão. Como se fosse um treinador, começo a pensar nas alternativas do segundo tempo. “Tem que tirar Fulano e deslocar Beltrano para a zaga e colocar Ciclano no meio”, pensava, como se fosse um José Mourinho ou Josep Guardiola. Ao menos no estádio e na minha cabeça, eu era. E muito melhor que eles, diga-se de passagem.

A explosão

Segundo tempo. As pessoas voltam a se acomodar em seus lugares para mais 45 minutos de luta. O panorama não muda. A partida segue truncada e a vitória parece ser algo distante, irreal, um delírio. A irritação aumenta. “Mexe nesse time, técnico desgraçado”, disse um. “Tira esse cara, pelo amor de Deus”, exclamava outro. Uma voz irritada, do topo do estádio, gritava a plenos pulmões: “Pombas, mexe nesse time logo, carvalho”. A cada lance errado, um urro furioso, vaias, a frustração começa a aparecer. Pouco depois, quase que o Joinville abre o placar. Se o técnico não age, a torcida faz a sua parte. Começa a cantar e empurrar o time.

No início, não mudou muita coisa. “É só bico e balão, só assim pra fazer gol”, concordavam os torcedores, muitos deles nunca haviam se encontrado na vida, mas se comunicavam como se fossem velhos amigos de infância. Escanteio para o Inter. Os jogadores pedem o apoio da torcida, que levanta, canta, grita e pula, tudo para empurrar o time e marcar o gol. Escanteio curto (um câncer do futebol moderno). Bola devolvida na direita e o maestro da equipe, o camisa 10, cruza magistralmente com sua canhotinha habilidosa. O centroavante nem precisou pular para cabecear e fazer o que melhor sabe: O gol. Festa! Torcedores pulam, gritam, comemoram. Dão socos no ar, se abraçam, cumprimentam, beijam. Abracei o pai e gritava loucamente “Goool” e outros impropérios. Abracei o cara do meu lado como se fossemos íntimos.

O futebol proporciona isso. Milhares de pessoas que nunca se viram antes (e talvez nunca se encontrem depois do jogo) estão unidos por uma paixão, um bem maior. No gol, “o grande momento do futebol”, a emoção em ver na TV e no estádio é completamente diferente. Abraçar desconhecidos, sem preconceito racial ou de classe. Na bancada, como dizem os portugueses, somos todos iguais. Somos todos paixão. Só o futebol pode proporcionar isso. E, reitero, ele não é só um jogo.

Tensão, alegria e fim

Se existe algo que tortura e causa angústia um apaixonado por futebol é o final de um jogo apertado. Os minutos demoram dias para passar. A pressão da equipe visitante é fortíssima. Não dá nem para respirar. A todo momento, desespero e calma estão lado a lado. Um, querendo que o jogo termine logo. O outro, o lado mais racional, pede que os jogadores valorizem a posse de bola e segurem o resultado. Não tem jeito, é só bico e balão, não é mesmo?

Não importa se o adversário é o vice-lanterna do campeonato, o torcedor pessimista sempre acredita que o time vai tomar o gol de empate no fim. A pressão aumenta. Os torcedores, como se fossem regidos por um maestro oculto, sinalizam com os braços pedindo o fim da peleja. Todo mundo fica de pé, aguardando o apito final. Bola no meio-campo, o juiz apita. Explosão no Beira-Rio. Torcedores gritam, comemoram, se abraçam. Valeu a pena. Todo mundo vai feliz para a casa curtir os embalos de sábado à noite. Espera um pouco. Os jogadores seguem em campo. O juiz marcou falta. Os mais desavisados, que estavam prestes a deixar o estádio, ficam congelados. A tensão volta com contornos violentos. “Não pode ser, esse juiz tá de brincadeira”, “Quer aparecer” e outros xingamentos pesados voltam à tona.
 
Não durou muito. Segundos depois do primeiro apito, veio o segundo, e agora derradeiro. Segundos que duraram umas três horas, no mínimo. Fim de jogo. Um a zero. Suado e sofrido. Time não jogou bem. Ninguém se importa. A vitória veio. Agora sim, dá para sair e curtir o fim de sábado, saboreando a vitória. Para os desabrigados, muitos deles testemunharam a primeira vitória de seu clube do coração in loco. Ironia: Se não fosse a enchente, a comoção e a solidariedade das pessoas, provavelmente a grande maioria dos presentes seguiriam sem acompanhar seu time no estádio. Não haveria desabrigados, nem campanhas, tampouco ações sociais. Uma triste realidade.

O pai tinha razão. Esfriou bastante. Já era noite. O vento do Guaíba gelava e arrepiava meu corpo. Como sempre, fingia que estava bem, sem deixar transparecer que estava com frio. Não, não era necessário pegar o casaco. “Até voltar para casa, meu corpo vai estar aquecido e nem vou sentir nada”. Pode ser verdade. Confesso que não lembro se o nariz escorreu ou algo do gênero. Sobrevivi ao vento, tensão, sofrimento e raiva. Ganhamos. É o que importa. Agora é curtir e se preparar para a próxima batalha no Beira-Rio, que certamente será pior e mais difícil, mas única. Como todo jogo de futebol. “Cada jogo tem uma história”, já dizia o poeta.

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

TEXTOS ESPECIAIS: O amparo do magnata

Oi, gente! Então, com uma semana de atraso, vou estrear uma seção que já estava pensando há alguns meses em fazer aqui no blog. São textos que eu fiz na cadeira de Produção Jornalística da FAMECOS/PUCRS, do professor Tibério Vargas Ramos. Se possível, irei tentar publicar ao menos um texto por semana durante as férias da F1.

Vou iniciar o novo quadro com ele (não poderia ser diferente): Bernie Ecclestone! Tem a ver com sua vida pessoal, profissional e um empreendimento recente no Brasil. Confere aí!

O AMPARO DO MAGNATA

Com muito dinheiro no bolso, onde você faria um investimento empreendedor? O britânico Bernie Ecclestone escolheu uma cidade brasileira, desconhecida por muitos
Foto: Grande Prêmio
Fortuna estimada em quase 5 bilhões de dólares. Um dos maiores investidores do mundo e um dos patrões desportivos mais bem pagos. De vendedor de carros usados na famosa rua Warren de Londres a dono absoluto e revolucionário nos negócios de gestão da Fórmula 1 há mais de 30 anos, esse senhor de 84 anos tem muitas histórias e polêmicas para contar.
Um desses causos é saber como e por que um homem tão rico e poderoso é visto com frequência em uma cidade de quase 70 mil habitantes localizada no interior de São Paulo e distante 132 quilômetros da capital paulista. Calma, garanto que tudo tem uma explicação simples e lógica.
Antes de mais nada, é necessário saber quem é essa figura. Trata-se de Bernard Charles Ecclestone, ou simplesmente Bernie Ecclestone. Nasceu em St Peter South Elmham em 1930, numa aldeia distante três milhas ao sul de Bungay em Suffolk, no leste da Inglaterra. Nos anos 1950, ingressou na carreira automobilística, que não durou muito. Foram apenas duas corridas na Fórmula 1, em 1958. Depois de um grave acidente, percebeu que seu ramo era outro: Os negócios.
Começou a fazer investimentos lucrativos no mercado imobiliário e no financiamento de empréstimos, gerindo sua concessionária de carros usados nos finais de semana. Ao mesmo tempo, começou a agenciar pilotos. Um de seus clientes, Lewis-Evans, faleceu após o motor de seu carro explodir na corrida do Marrocos, vítima de queimaduras graves. Abalado, retirou-se do esporte a motor pela segunda vez. Na década seguinte, tornou-se empresário do austríaco Jochen Rindt (único campeão póstumo da F1, em 1970) e co-proprietário da equipe dois da Lotus. Em 1971, passou a ser dono da equipe Brabham numa aquisição que custou 100 mil libras. A escuderia cresceu e foi nela que o brasileiro Nelson Piquet foi campeão do mundo em 1981 e 1983.  Nos anos 1980, Bernie já era dirigente da FOCA (Associação dos Construtores da Fórmula 1) e em 1987 vendeu a Brabham por 5 milhões de libras.
Em um “golpe de mestre”, conseguiu fazer com que a FOCA (que hoje virou FOM, presidido por Ecclestone – Formula One Management) tivesse o direito de negociar os direitos de transmissão das corridas com autorização da FIA, criando a FOPA (Fórmula 1 Participações e Administração) que dividiu a receita em 47% para as equipes, 30% para a FIA e 23% para o próprio Bernie. As equipes se revoltaram e nos anos 1990 foi assinado o Pacto de Concórdia, que negocia os direitos de transmissão e a taxa de inscrição anual das equipes para a disputa do Campeonato Mundial de Fórmula 1. É assim que Bernie ganha dinheiro: Uma porcentagem da venda dos direitos aqui, uma porcentagem das ações das empresas que gerenciam a F1 (como a FOM) e outros negócios pessoais acolá, e o seu patrimônio foi aumentando.
Segundo lista da Forbes de 2011, Bernie é a quarta pessoa mais rica do Reino Unido, com fortuna estimada em US$ 4,2 bilhões. Foi casado por quase 25 anos com a modelo croata Slavica Radic. Se na F1 Bernie é o “chefão”, não podemos dizer o mesmo em sua vida conjugal. Segundo o que está escrito em uma de suas biografias, intitulada Não sou um Anjo (Editora Novo Conceito, 2011), de Tom Bower, ele constantemente apanhava de sua ex, sempre desconfiada de uma possível infidelidade do marido. Slavica era vista constantemente no paddock e costumava beber muito, às vezes ficando agressiva, humilhando Bernie fisicamente (que chegava a se esconder em outros quartos da casa onde moravam) e psicologicamente (chegou a chamá-lo de anão em público – ele bate no ombro da modelo). Ela constantemente ameaçava ir embora, até que o fez. Pediu o divórcio em 2009. Dizem que Ecclestone pagou cerca de R$ 1,5 bilhão no acordo.
No mesmo ano, uma brasileira entrou na vida do magnata. Durante visita para o Grande Prêmio do Brasil, em novembro, Bernie conheceu Fabiana Flosi, advogada de 38 anos, que na época trabalhava na organização do evento. Paixão à primeira vista. Casaram-se em 2012.  Os laços com o Brasil já não eram somente profissionais.
O empresário estava procurando uma casa de campo no Brasil. Só conhecia as cidades grandes e as de praia, apesar de visitar o país há 45 anos. Foi aí que entrou o município de Amparo. Nem sua esposa brasileira conhecia esse lugar. Fundada em 1829, é famosa por suas lavouras de café, principalmente a partir do ciclo do ouro do café iniciado em 1850. Uma dessas fazendas famosas é a centenária Ycatu (desde 1879), que Bernie conheceu ao acaso, através da indicação de um amigo que queria vender a propriedade. Comprou-a e deparou-se com mais de 120 mil pés de café.
O refúgio de Bernie Ecclestone no Brasil tornou-se público em maio, quando o chefão anunciou uma entrevista coletiva surpresa na cidade. Para quem acompanha automobilismo, não fazia sentido nenhum o que estava acontecendo. Chegava a ser surreal. “Todos que moram aqui são pessoas de sorte”, afirmou Bernie. A coletiva anunciava a nova empreitada de Ecclestone no ramo dos negócios: Ele deseja comercializar a sua marca de café gourmet da fazenda, a Celebrity Coffee of Amparo. Por enquanto, ela é servida somente no paddock da Fórmula 1.
Atual prefeito da cidade, Luiz Vitale Jacob (PSDB) conta que foi procurado por Fabiana após a aquisição da fazenda. Ela perguntou sobre a infraestrutura da cidade em relação a hospitais, restaurantes e o setor de serviços. Desde então, mantém contato frequente com o empresário, que chegou a visitar a prefeitura em sua última aparição na cidade. Constantemente é visto pelos moradores em restaurantes e no centro histórico. Sua presença ainda choca e surpreende os amparenses. Segundo o prefeito, “é a oportunidade perfeita de lançar a cidade de Amparo para o resto do mundo”.
Esse é um pouquinho de Bernie Ecclestone. Repleto de histórias e polêmicas para serem desvendadas. Para muitos, um “exímio empresário, empreendedor e negociante”. Para outros, um “picareta que deveria estar na cadeia”. Todavia, é inegável o seu carisma, mesmo caduco e considerado por muitos um “vilão” acerca das críticas dos fãs de Fórmula 1 a falta de emoção, competitividade e alternância entre os carros nas corridas. A F1 e Bernie chegam a se confundir sendo uma entidade só. Com certeza será um dia histórico quando ele deixar o poder, por conta própria ou por questões de saúde. O que sabemos, entretanto, é que ele vai estar ocasionalmente relaxando e produzindo café na Fazenda Ycatu, com sua esposa e a paz de espírito de um homem que nasceu pobre e hoje é um dos maiores empresários do mundo, deixando um futuro próspero para muitas gerações de sua família – Com polêmica, irregularidades e problemas na justiça.
Por hoje é isso, até o próximo texto!